O brasileiro ignora seus méritos – não sei se por coitadismo, ou se por realmente achar que o que é feito aqui é inferior. O cinema brasileiro sofre com isso desde os tempos do cinema da boca do lixo, da ascensão das pornochanchadas, do esculacho do governo federal da era Collor. Para boa parte dos brasileiros, o cinema brasileiro é apenas pornografia, piada ruim, som com problemas, atores da Globo e pobreza. Num resumo, apenas cinema ruim.
Uma pena, porque o cinema brasileiro é um dos melhores do mundo. O problema não está na qualidade da nossa produção, mas no quanto dessa produção chega ao público quando bons filmes enfrentam dois inimigos insuperáveis: os blockbusters americanos e a fortuna despejada por eles para tomarem as salas de cinema e, no espaço que sobra, a primazia da Globo Filmes e suas comédias – a maioria esdrúxulas, uma versão em longa metragem de um programa de comédia da TV aberta – sobre o mercado distribuidor. Como não vê os bons filmes e o que vê em cartaz se resume às tais comédias – sem falar aquelas em que brilham estrelas como Kéfera – não é de assustar que o lugar comum para o brasileiro seja o de que “o cinema brasileiro é muito ruim”.
Menciono o assunto porque, na semana que passou, foi entregue o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, que consagrou, neste ano, merecidamente, o filme do Bozo (como todos passaram a conhecer a obra). “Bingo” venceu oito dos quinze prêmios a que estava indicado, e é lamentável que alguns, sem sequer ver o filme, o desvalorizem pela sua temática ou pelo seu nome. O filme de Daniel Rezende – montador de Cidade de Deus e um diretor de mão cheia – é um estudo de personagem com uma linguagem visual e sonora riquíssimas, repletas de metáforas visuais, um trabalho de iluminação e cor significativa e uma atuação impecável de Vladimir Brichta, não por acaso vencedor do prêmio de melhor ator do ano. Claro que, como toda premiação, há questionamentos: jamais daria à ótima Laiz Bodansky o prêmio de direção – Rezende em diferentes graus mereceria o prêmio – por “Como nossos pais”, tampouco o sofrível “Real – O plano por trás da história” merece o prêmio de roteiro adaptado, mas o prêmio também é político e, de certa forma, pensa na distribuição de reconhecimentos para valorizar a produção nacional.
Melhor, mesmo, foram as manifestações. Primeiro a de Brichta, que ao receber seu prêmio não conseguiu separar a política da arte ao bradar um jogo de palavras com o personagem real que inspirou a obra. “Bingo, sim. Bozo, sim. "Bozonaro", não” afirmou, entre gritos de apoio da platéia. Num segundo momento, a emocionante homenagem a Fernanda Montenegro, que trouxe ao palco Cacá Diegues, Zelito Vianna e Luiz Carlos Barreto. Barretão, aos 90 anos, se ajoelhou em frente a Fernanda (que está prestes a completar 90 anos) afirmando que naquele abraço “estão quase 180 anos de cinema”. Falecidos no ano que passou, Roberto Farias e Nelson Pereira dos Santos também foram lembrados. O prêmio é um retrato do nosso cinema: ignorado pelo público, frequentado por ótimas obras e permeado pela política – e o fato de “O grande circo místico” de Cacá Diegues, representar o Brasil na corrida do Oscar desse ano mostra o quanto há de outros elementos inseridos nesse contexto. Diegues, afinal, foi eleito recentemente para a Academia Brasileira de Letras e é o nome do momento. Já o filme, difícil dizer...