Diz Rubem Alves que “há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas”. Algumas escolas nascem como asas e em algum momento de sua existência passam a ser gaiolas, mas nada impede que um dia elas possam novamente ser asas e encorajar novos voos. Assim foi com a escola municipal Fredolino Chimango, no Bairro Jabuticabal. Ela, que durante anos era a última escolha dos pais, passou a se tornar a preferência de muitos. A mudança de pensamento não foi ao acaso, muito menos ocorreu do dia para a noite. O trabalho insistente de professores e direção foi fundamental para aproximar a escola e a comunidade. Agora, o próximo passo é expandir as fronteiras e envolver a comunidade local no processo construção do conhecimento dos mais de 300 estudantes. Um novo bairro-escola está em construção.
Há alguns anos, poucas pessoas diriam ter preferência de que seus filhos estudassem na escola. A má fama precedia as conversas sobre a Fredolino e muitos estudantes precisavam se deslocar para escolas mais distantes. As conversas eram só uma parte do problema. A falta de respeito pela escola frequentemente resultava em atos de vandalismo e também em furtos. A falta de vontade e de apego dos alunos também indicava que algo não estava bem.
Com o problema exposto, a mudança começou aos poucos. A estratégia inicial foi a de aproximar os pais. Isso aconteceu gradativamente em conversas informais com eles na chegada dos estudantes, em reuniões e também em atividades promovidas especificamente para promover essa aproximação. Cada passo nesse sentido ajudou a envolver a comunidade no dia-a-dia da escola. “Em 2015 tínhamos cerca de 210 alunos, agora são 310. Antes eles não queriam que os filhos estudassem aqui pela má fama, agora não. Agora eles querem estudar aqui e estão vendo que a escola é boa”, comemora a diretora Adriana Kiess Marin.
O aumento significativo no número de alunos é só um dos indicadores objetivos que demonstra como a Fredolino tem mudado. No Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), por exemplo, é perceptível, desde o ano de 2015, um crescimento no conceito, tanto nos anos iniciais, quanto nos anos finais do ensino fundamental. Mesmo assim, a equipe que coordena a escola acredita que é possível melhorar ainda mais nesses índices.
Subjetivamente também há indicadores da melhoria. A diminuição drástica de casos de vandalismo e roubos, a participação crescente dos pais nas atividades propostas e, principalmente, a forma como os alunos se referem a ela são os principais. O estudante Mário Camargo, 14 anos, estuda na escola e acompanhou de perto a transformação. “Era bem destruidinha a coitada”, diz ele com toda a sinceridade que sua adolescência permite. Além das reformas pelas quais a escola passou, o comportamento dos alunos é evidenciado por ele. “Os alunos eram uns terror”, brinca ao lembrar do antes.
Mudanças no espaço
A diretora lembra que antes os espaços da escola eram, em sua maioria, escuros e sem alegria. Com a conquista de recursos do Programa Minha Escola de Cara Nova, da Prefeitura de Passo Fundo, em 2014, foi possível fazer alterações importantes nesse sentido. “As salas lembravam um quartel antigo, forro escuro, paredes escuras, nada tinha alegria e agora cada sala tem uma parede colorida e dá uma sensação de bem estar no ambiente escolar”, comemora. Para essas mudanças, a comunidade foi convidada para participar de reuniões e opinar nas decisões, assim como as crianças puderam escolher as cores que queriam nas salas, por exemplo.
A coordenadora pedagógica da escola, Franciele de Melo, acrescenta que para aprender, a pessoa precisa se sentir bem. “E eles se sentem bem aqui e isso é um incentivo para que eles avancem cada vez mais. O relacionamento com os professores também mudou”, pontua. Essa mudança relacionada aos professores teve dois aspectos. O primeiro deles foi o da relação dos professores com a escola. Antes, poucos queriam continuar dando aulas lá. Tanto, que era comum que os alunos questionassem se eles iriam deixar a escola quando se encerrasse o ano letivo. A rotatividade do corpo docente também prejudicava o processo de ensino e aprendizagem. Hoje, os professores permanecem na escola, se envolvem nos projetos e, mais importante, dão continuidade a eles de um ano para o outro. “Os professores permanecem na escola e assumem o compromisso de trabalhar em equipe. E quem ganha? São os alunos, que formam vínculo com seus professores e se sentem estimulados a estudar”, completa sobre o segundo aspecto da mudança de relacionamento com os professores.
Da última para a primeira opção
João Henrique Ferreira, 13 anos, está na escola desde o quinto ano. Antes, ele estudava em outra escola, mais afastada de onde ele mora. O motivo era aquele citado lá no início, a má fama da escola. No entanto, coincidentemente, ao chegar ao quinto ano, ele teria de passar a estudar pela parte da manhã. A distância entre a residência dele e a escola em que estudava e a mudança pela qual a Fredolino havia passado a mãe permitiu que ele pudesse escolher em qual pretendia continuar. A escola que antes nem era cogitada, passou a ser a melhor opção.
Lisiane Pinheiro é mãe de uma estudante da escola e também integra a Associação de Pais. Ela também foi aluna e teve outros três filhos que estudaram na Fredolino. “Mudou tudo, antes a gente vinha aqui e era uma bagunça, tanto na escola quanto ao redor”, lembra. Por ter os filhos que estudaram na escola, acompanhou de perto o movimento de mudança. Até mesmo nas conversas com as pessoas do bairro. Antes as pessoas falavam mal, já hoje, passaram a admirar o trabalho feito. “Mudou 100%”, pontua.
Com as mudanças a escola também passou a se relacionar com outras instituições e entidades. Com isso, no ano de 2017, integrou a programação das Estações de Leitura promovidas pela Jornada Nacional de Literatura. Essa aproximação com a Universidade de Passo Fundo (UPF) permitiu o contato com os coordenadores do projeto de extensão Circulando Cidadania, vinculado ao Programa UniverCidade Educadora. Com isso, novas ideias surgiram e agora a escola se prepara para uma nova fase de mudanças.
Uma escola além da escola
O próximo passo é ampliar as fronteiras e desenvolver na comunidade o conceito de bairro-escola e aproveitar o potencial pedagógico de diferentes espaços e ampliar ainda mais o envolvimento das pessoas no dia-a-dia dos estudantes. O coordenador do Programa UniverCidade Educadora, professor Márcio Taschetto, explica que a proposta está em desenvolvimento. “A ideia é a de pensar o bairro como um território educativo que ajuda a potencializar o desenvolvimento do bairro, a própria escola e seus processos de aprendizagem e a pensar o entorno da escola como uma oportunidade de construção curricular e formativa”, explica. Para isso, trabalhos com os professores estão em desenvolvimento em diversas temáticas como a construção da noção espacial da criança, o conceito de bairro-escola e como mapear os espaços educativos do bairro.
Conforme o professor, o conceito de bairro-escola sempre é trabalhado a partir da escola, vinculado com as temáticas do bairro e outras entidades como associações, ONGs, projetos, e estabelecimentos comerciais. “A perspectiva é de que a escola se torne um agente de proteção do território. Começa de dentro pra fora, porque pegamos a escola como referência da comunidade e vai fazendo esse movimento de ligação e potencializando o seu processo de ensino aprendizagem”, argumenta. Esse trabalho também é articulado em parceria com a Secretaria Municipal de Educação.
A diretora Adriana conta que foram feitos encontros nos quais foi possível mapear no bairro o que há de potencial pedagógico. “Identificamos igreja, mercado, padaria, os moradores mais antigos e agora vamos analisar qual o potencial pedagógico, educativo e o que podemos fazer para trazer para a escola e queremos trabalhar outros aspectos nestes locais”, explica sobre o andamento do projeto. A próxima etapa é a de se aproximar e de criar parcerias com o que foi identificado. Também foram realizadas atividades de resgate da história do bairro e a avó de uma aluna foi convidada a contar a história de como ele começou, como era e como mudou. Também foram realizadas atividades do projeto Relendo Passo Fundo, organizado pelo curso de Arquitetura e Urbanismo da UPF.
Minha Escola de Cara Nova
O programa Minha Escola de Cara Nova da Prefeitura de Passo Fundo foi um ponto fundamental para auxiliar a escola em todo o processo de transformação. A professora Luciane Dadia Rodrigues, é coordenadora do programa Minha Escola de Cara Nova pela Secretaria Municipal de Educação (SME), professora da UPF e integrante do Programa UniverCidade Educadora. Ela acompanhou de perto a transformação. “A EMEF Fredolino Chimango é uma escola inserida em uma comunidade de periferia do município, que se encontrava em condições bastante precárias em vários sentidos, desde a estrutura dos ambientes até situações de vandalismo e problemas de relações no contexto da escola e do bairro”, retoma.
Por meio do Programa, a SME, em parceria com a escola, realizou várias reuniões que envolveram gestores, professores, alunos e comunidade com o objetivo de reestruturar os ambientes da escola, fundamentados em princípios pedagógicos. “As intervenções realizadas na escola possibilitaram muitas mudanças, dentre elas a criação de novos ambientes, cores, entre outros aspectos que melhoraram o acesso, o atendimento mais adequado, e assim, refletindo nas novas sensibilidades relacionadas ao cuidado e pertencimento com ambiente escolar, nas afetividade das relações professores, alunos e comunidade”, acrescenta. Na avaliação dela, o envolvimento de gestores, professores e comunidade por meio do Programa, proporcionou um impulso para as mudanças que se seguiram e que tem cotidianamente acontecido na escola e seu entorno. “Nesse sentido, a aproximação com Programa UniveCidade Educadora tem sido vital, onde novas ações tem se delineado, como o bairro-escola, que busca o potencial pedagógico do lugar, ou seja do bairro, como fonte de experiência e aprendizagem”, completa.