Um de 1863, outro de 1964. Ambos localizados na cidade de Passo Fundo. O primeiro, conhecido como Chafariz da Mãe Preta, localizado no entroncamento das ruas 10 de Abril com Uruguai, defronte ao IOT e a Unicred. O segundo, o Monumento à Mãe, situado na Av. Brasil em frente ao Colégio Estadual Fagundes do Reis. O Chafariz criado em pleno contexto sociopolítico do período escravagista no final do sec. XIX. A homenagem à Mãe, data de cem anos depois. O Chafariz carrega consigo os elementos imaginários de dois relatos míticos, que descrevem o sofrimento de mães que perderam seus filhos. Já na Praça da Mãe, encontra-se uma escultura em bronze de uma mãe, com dois filhos, uma menina e um menino.
Qual é a relação entre eles? Existe? Arraigado na tradição da memória passo-fundense não serão poucos que dirão: sim! E justificarão seu argumento dizendo: O Monumento à Mãe rememora o Mito da Mãe Preta. Eu, respeitosamente, quero subverter este entendimento e contrariar está argumentação. Faço isso com base em documentos consultados em parte no acervo do Arquivo Histórico Regional de Passo Fundo.
Sobre o caso do Chafariz da Mãe Preta, este foi construído em terras doada por Manoel José das Neves, e ficou conhecido durante anos como: o arroio do Lava Pés, dos escravos, do Chafariz, da 10 de Abril com a Uruguai. Como é possível observar, quando o Chafariz surge na história passo-fundense, ele está associado à sua localização geográfica ou a sua função. Ou seja, o que é um Chafariz? Uma fonte de abastecimento de água. A fonte passará a ser reconhecida oficialmente como Chafariz da Mãe Preta em 1965, quando a Prefeitura decide reconstruí-lo, o que acontece somente 1982, quando há a regulamentação da área em que está situado atualmente.
Associado ao Chafariz há dois relatos míticos, um da Mãe índia Goici, e outro da Mãe Preta Mariana. No relato da Mãe índia, diz-se que esta possui um filho que desaparece. Ao chorar a ausência do filho, o Urubu-Rei a transforma em um pé de milho que, arrancado pela tribo, deu origem a um córrego. Na versão de Mãe Preta, esta tinha um único filho que foge. Devido a seu sofrimento é visitada por Jesus menino, o qual informa que a sua criança se encontrava na mansão celeste. Jesus diz que em recompensa a sua dor ela poderia pedir o que quisesse que lhe seria concedido. Assim, Mãe Preta pede para ir para junto do filho, e como lembrança, solicita que queria deixar a fonte, para que todo aquele que dela bebesse retornasse àquele lugar.
Então, o Monumento a Mãe, rememora a lenda de Mãe Preta, e a escultura contida na praça faz alusão a perda de seu filho. Ora, penso que se isso realmente procedesse, no Monumento à Mãe, deveria ter somente uma única criança, e não duas. Ainda, a escultura, deveria ter no mínimo algumas características estereótipas a uma mulher negra no contexto do sec. XIX.
Este monumento, o da Mãe, foi uma iniciativa do jornal O Nacional juntamente com o Rotary Club Passo Fundo Norte, que contou com a colaboração de inúmeras pessoas da comunidade passo-fundense. Foi realizada uma campanha, lançada em 1961, em que a cidade teria um monumento que homenagearia as Mães. Qual delas? Todas, sem objeções.
Para arrecadar recursos financeiros para edificação do monumento, foram realizados entre 1961 a 1964, desfiles, chá, bailes, apresentações, até mesmo, Teixeirinha esteve em Passo Fundo em 1963 realizando duas apresentações - em uma delas a arrecadação da bilheteria foi revertida em benefício ao Monumento a Mãe.
A escultura foi realizada pelo casal de artistas Paulo e Lucienne Ruschel, sendo fundida em bronze na metalúrgica Eberle S/A de Caxias do Sul, inaugurada em 7 de agosto de 1964, como parte integrante das comemorações da Semana do Município daquela época. Quadro anos depois há a inauguração da Praça da Mãe, em 12 de maio de 1968, na ocasião da data que comemorava o Dia das Mães daquele ano. Sintetizo minha obstinação em uma alegação simples e objetiva. O Chafariz da Mãe Preta é um dos principais monumentos históricos da cidade de Passo Fundo, e considero ser o único que perpassa no tempo a abrangência de nossa historicidade. O Monumento a Mãe, é a mãe, qualquer alegação que contrarie esta afirmação, faz parte da memória em contraste a sua história.
Diego J. Baccin
Doutorando em História – PPGH/UPF/Bolsista CAPES