William Thomson (1824-1907), o primeiro barão de Kelvin de Largs, que entre nós é mais conhecido como Lorde Kelvin, simbolizou como poucos o poderio científico da Inglaterra Vitoriana no século XIX. E fez por merecer, justiça seja feita, ao ser o primeiro cientista a receber um título de nobreza pelos avanços seminais relacionados com as suas descobertas em eletricidade, magnetismo e termodinâmica; com destaque para o desenvolvimento da escala Kelvin de temperatura absoluta e o protagonismo que desempenhou no comando da instalação do cabo submarino, que ligou a Inglaterra aos EUA, facilitando a comunicação telegráfica entre os dois países. Foi eleito Presidente da Royal Society of London, em 1890, e seus restos mortais repousam na Catedral de Westminster, em tumba vizinha a de Isaac Newton.
Apesar do perfil pessoal considerado discreto, Lorde Kelvin se viu envolvido em algumas polêmicas científicas que, pela soberba das falas, destoam do que seria esperável de um sábio da sua estirpe. Atribuem-se a Lorde Kelvin afirmações que hoje, certamente, o envergonhariam por serem totalmente erradas. Entre tantas, essas: “o rádio não tem futuro”; “máquinas voadoras mais pesadas do que o ar são impossíveis”; e “veremos que os raios x são um embuste”. Mas, a meu ver, a principal, foi a consternação causada a Charles Darwin (1809-1882) ao usar todo o prestígio científico que gozava na época para tentar “provar” que o Sol era jovem demais para que a evolução pudesse ter tido tempo de acontecer.
Sobre esse episódio envolvendo Lorde Kelvin e Charles Darwin, Richard Dawkins, na conferência que proferiu para a rádio BBC de Londres, em 24 de março de 1998, sobre o tema “ Sondagem do século: O que o século xx deixará aos seus herdeiros”, que sob o título “Ciência e sensibilidade” pode ser encontrada no livro “Ciência na alma: escritos de um racionalista fervoroso” (Companhia das Letras, 2018, p. 98-122.), foi categórico em rechaçar a arrogância de Lorde Kelvin, que supôs que tudo o que se sabia na época era tudo o que havia para se saber. Kelvin teve o disparate de afirmar a Darwin que “a Física fala contra a evolução, portanto a sua Biologia só pode estra errada”. Darwin, insiste Dawkins, deveria ter retrucado: “A Biologia mostra que a evolução é um fato, portanto a sua Física só pode estar errada”. Mas não o fez. Charles Darwin era um cavalheiro e se rendeu, pois, prevalecia, na época, que a Física suplanta a Biologia. Darwin, infelizmente, não viveu para ver que o erro era de Kelvin e, assim, não teve tempo de se arrepender por não ter mandado o mais graduado físico da Era Vitoriana para a P.Q.P.!
A teoria da evolução das espécies por seleção natural é considerada por muitos como a mais brilhante ideia que um ser humano já teve. Outros, evidentemente, discordam. Mas, convenhamos, essa teoria, que formalmente foi comunicada ao mundo em 1º de julho de 1858 e se popularizou com a publicação, por Charles Darwin, do livro “A Origem das Espécies”, no ano seguinte, é genial. E sobre ela, especialmente, se sobressai a generosidade e a humildade de dois sábios, Charles Darwin e Alfred Russel Wallace, que, sem conflitos e alardes maiores pela prioridade da descoberta, compartilharam os méritos da paternidade da teoria.
Há quem diga que Darwin chegou a se abalar ao receber, em 17 de junho de 1858, uma carta de Wallace, acompanhada de um ensaio, cuja teoria se assemelhava às ideias que ele vinha trabalhando há mais de 20 anos, e que pedia a sua opinião e a recomendação para publicação. Darwin aconselhou-se com Charles Lyell e Joseph Hooker, que sugeriam que os trabalhos dele (os ensaios de 1842 e 1844 e a carta que ele havia enviada a Asa Gray em 1857) e o manuscrito de Wallace fossem apresentados simultaneamente à Linnean Society of London, o que aconteceu em 1º de julho de 1858. Depois desse episódio, Darwin, que por temer implicações religiosas, políticas ou por perfeccionismo mesmo, não concluía os seus manuscritos, acelerou a redação da sua mais notável obra: A Origem das Espécies.