Histórias de casas assombradas são parte do folclore popular norte-americano. A mais famosa provavelmente seja a história da casa de Amityville, em um condado próximo a Nova York. A história das assombrações na casa se tornaram um livro famoso nos anos 70 que originou um filme – que originou continuações, que originou refilmagens, que continua dando o que falar. Uma casa assombrada em Harrisville foi a inspiração para o filme Invocação do Mal, enquanto um sobrado tornou-se famoso em Connecticut, dando origem a outras histórias que o cinema aproveitou. A casa da família Winchester, do criador do rifle, com todas as suas peculiaridades e sua planta incomum, também tem fama de ser assombrada pelas vítimas da arma criada por seu construtor, e deu origem a um filme ruim nesse ano.
Curiosamente, as duas histórias de casas assombradas mais idolatradas da literatura americana não bebe da fonte das supostas casas reais. Uma delas é a mansão assombrada do livro A Volta do Parafuso, que deu origem ao filme Os Inocentes, nos anos 60, um dos melhores do gênero, dirigido por Jack Clayton. A outra tem sobrenome: é a casa (ou residência) Hill, do livro The Haunting of Hill House, considerado a melhor história de fantasmas da literatura norte-americana no século XX. A obra de Shirley Jackson – que eu não li – foi adaptada num clássico de 1963, The Haunting, batizado no Brasil como Desafio do Além. Foi refilmada com liberdades em 1999 por Jan de Bont como A Casa Amaldiçoada, com um elenco que contava com Liam Neeson e Catherine Zeta-Jones.
A Netflix bebeu na fonte da obra de Jackson e tomou suas liberdades, aproveitando a base do romance de Jackson, para criar uma das melhores coisas do serviço nesse ano, a minisérie “A Maldição da Casa Hill”, disponível desde a semana passada em 10 episódios.
Quem espera por uma típica história baseada em jump scares, aqueles sustos baseados em aparições bruscas e sons altos, pode se decepcionar – apesar de a série obviamente reserevar um espaço a elas. A história segue uma família que, 26 anos atrás, saiu bruscamente de uma antiga casa em que morava. Os cinco filhos do casal, cada um com alguma peculiaridade – uma menina sensitiva, dois gêmeos com sensibilidade para ver estranhas aparições – fogem apenas na companhia do pai. A mãe, misteriosamente, fica para trás, e o que aconteceu com ela é um mistério que o pai nunca esclarece completamente, até o tempo presente. Os fantasmas do passado assombram a vida de todos, confundindo aparições com problemas mentais e psicológicos e dependência em drogas. Cada um carrega um trauma que interfere nas suas vidas. Um acontecimento chocante, porém, irá reunir a família novamente, que precisa curar suas feridas e enfrentar seus demônios.
O grande mérito da série da Netflix é trabalhar com paciência o contexto do horror que assombra a casa e ligar as lembranças do passado com os traumas do presente. As peças de cada um dos personagens – cada um ganha um capítulo para falar da sua experiência na casa – vão se encaixando, frases vão ganhando vida no desenrolar da narrativa, acontecimentos vão se completando, e em meio a tudo isso, um belo trabalho de câmera e uma montagem inteligente aproveitam os espaços e a iluminação do cenário para instigar e perturbar. Entre episódios mais lentos, há aqueles que surpreendem demais. O sexto episódio, por exemplo, é composto por uma série de longos planos sem corte que mostram uma encenação dos atores no espaço que é brilhante – e devem ter sido um trabalho infernal para filmar. Mas também mostram como a série aproveita para inserir elementos aterrorizantes não na nossa frente, mas de relance na imagem, ao fundo, junto do cenário, sem aviso.
Dica, portanto, para ir se preparando para o Halloween.