Para um paciente em estado de saúde terminal, é mais apropriado permanecer internado em uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), ou passar os últimos momentos em casa, junto de seus familiares? Até que ponto é ético prolongar a dor de uma pessoa, cuja vida está sendo mantida apenas por aparelhos em um hospital? Questões como essas, serão amplamente debatidas e pesquisadas, por profissionais da área da saúde, filosofia e teologia, através do grupo de estudo Observatório de Bioética, do Regional Sul 3.
A provocação para o debate envolvendo a dignidade da vida humana partiu do Papa Francisco, através da Constituição Apostólica "Veritatis Gaudium, que em português significa Alegria da Verdade. A preocupação do pontífice é justamente o de estabelecer um diálogo, entre universidades, entidades ligadas à área da saúde e igreja. A partir disso, fornecer subsídios às comunidades para o enfrentamento dos conflitos éticos relacionados com a vida.
Baseados nessa determinação, bispos do Rio Grande do Sul se reuniram e decidiram formar grupos de pesquisa e estudos, envolvendo profissionais da área médica, da filosofia e da teologia para refletir e buscar respostas para esses questionamentos. O resultado foi a criação do Observatório de Bioética. No Rio Grande do Sul, o projeto vai funcionar em quatro polos: Passo Fundo, Porto Alegre, Santa Maria e Pelotas. O lançamento estadual acontece dia 7 de novembro, às 19h, na Casa de Retiros, em Passo Fundo.
O Polo criado no município é composto por aproximadamente 15 profissionais das seguintes instituições: UPF, Arquidiocese de Passo Fundo, Faculdade Especializada na Área da Saúde do Rio Grande do Sul (Fasurgs), Hospital da Cidade (HC), Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), Faculdade de Teologia e Ciências Humanas (Itepa Faculdades), Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e Faculdade Meridional (Imed).
Um dos responsáveis pela iniciativa no município, o padre Ivanir Antônio Rampon, explica que foram definidos questões envolvendo três momentos distintos da existência: o início da vida, o meio da vida, e o final da vida. "O grupo de Passo Fundo escolheu a última opção. O envelhecimento vem sendo estudado há muito tempo na nossa cidade. Existe curso de pós-graduação relacionado ao assunto. Temos pesquisadores, grandes hospitais. Um elevado índice de pessoas com câncer na terceira idade. Por esses motivos, a opção foi investigar questões relacionadas com o fim da vida", explica.
Conforme o padre, o grupo se reunirá uma vez por mês. Em alguns momentos, os polos estarão interligados através da internet ou em encontros pessoais. Também será formado um grupo de pesquisa com os núcleos acadêmicos. A partir dos debates serão produzidos textos para revistas especializadas no assunto. O material poderá ser acessado através de um site específicio que será criado.
Para que o conteúdo não fique restrito ao universo acadêmico, em cada Polo será criada a Comissão da Promoção e Defesa da Vida. As pastorais da igreja serão responsáveis por levar as temáticas, com uma linguagem apropriada, às comunidades de base.
Já nas instituições, principalmente hospitais, sempre que surgir questões ligadas à bioética, o grupo poderá ser consultado para fornecer uma opinião qualificada sobre determinadas situações. " Quando iniciamos os debates, o pessoal mais interessado foi dos hospitais. Eles estão precisando ouvir, partilhar suas dificuldades e sofrimentos nas tomadas de decisões. É importante ter essa palavra qualificada em um momento difícil. Para isso, vai exigir muito estudo, diálogo, conhecer o que é produzido no mundo sobre o assunto", comenta.
Final da vida
Ao escolher o fim da vida como assunto a ser estudado e debatido, o Polo de Passo Fundo elencou nove blocos norteadores dentro dessa temática.
1º bloco - Bioética, eutanásia e dignidade da morte
O primeiro bloco busca a resposta para duas grandes questões: como ter uma morte digna? e como morrer sem dor? "Um paciente entubado, já em estado irreversível, não seria melhor morrer em casa, cercado dos familiares. No hospital vai permanecer sozinho, sem o carinho. Por outro lado, como deixar essa pessoa em casa, sofrento. Os aparelhos diminuem a dor", questiona o Ivanir.
2º bloco - suicídio assistido
A pessoa pede para morrer como forma de acabar com o sofrimento da dor. " Alguém vai ter que praticar esse ato. Aplicar uma injeção em outra pessoa sabendo que vai provocar a morte dela. Isso é ético? Não é um assassinato, é por caridade, mas é ético? Por outro lado, deixar a pessoa sofrendo é ético, sabendo que uma injeção acalmaria a dor para sempre?", observa.
3º bloco - Questão da distanásia
Prolongamento do processo da morte através de tratamentos. "A pessoa já chegou ao fim. A morte natural já teria chegado não fosse pelos aparelhos e cuidados paliativos. Porém, até que ponto podemos prolongar a vida de uma pessoa? às vezes há interesses econômicos nesse prolongamento, isso é ético?".
4º - Bloco - cuidados paliativos
Essa situação diz respeito ao paciente portador de uma doença irreversível, mas com determinados cuidados, ela não sofre tanto, consegue amenizar a dor. Para isso, há necessidade de cuidadores, exercícios físicos. Como garantir esses cuidados paliativos? Como garantir que essa pessoa enfrente os últimos dias com dignidade?
5º bloco - Testamento biológico
"As pessoas costumam deixar um testamento sobre os bens materiais. Hoje é possível deixar estabelecido para os familiares a decisão a ser tomada quando a pessoa se encontrar em determinada situação de saúde. Como por exemplo, não querer ficar dependente de aparelhos médicos. Ela expressou essa vontade no testamento biológico, num momento em que estava em sã consciência. Mas ela não poderia ter mudado de ideia, estando nessa situação?
6º bloco - Doenças terminais
O estudo deste bloco questiona sobre o acompanhamento de uma pessoa nas últimas horas de vida. No momento em que faz uma avaliação, reconhece suas falhas e virtudes. Entra a questão do perdão. Nessa fase, não ter perdoado ou não ter recebido o perdão, dói mais que a própria dor física. Vem todos os dramas da consciência. Como acompanhar essas pessoas é o grande desafio proposto no grupo de estudo.
7º Bloco Unidades de Terapias Intensivas (UTIs)
Equipadas para receber pacientes em estado de saúde grave, com possibilidade de reversão do quadro. "Nesse tema entram alguns dilemas, de como ter uma UTI com ética. Surge a questão do acompanhamento familiar. Na UTI o paciente fica isolado de suas relações. Às vezes um abraço, segurar a mão da pessoa por um determinado momento significa muito. Na UTI isso não é permitido. A pessoa se torna objeto que está sendo cuidado. Como transformar a UTI em um ambiente mais humano, mais ético?".
8º Bloco - Idosos dependentes
"Na fase final da vida, as pessoas encontram uma grande dificuldade em aceitar ajuda. Como entender a situação delas, fazer perceber que não é mais uma pessoa de 30 anos. No mundo que prega muito individualismo se torna mais difícil, aceitar ser ajudado ou ajudar. Parece uma humilhação ser ajudado. Na verdade, todos somos frágeis. Geralmente no início e final da vida somos mais frágeis".
9º Bloco - Bioética e geriatria
"Estudar as doenças ligadas ao próprio envelhecimento. Doenças naturais da idade. Por exemplo, a perda de ritmo no caminhar, há doenças que levam a essa situação. Como tratar, como cuidar? Surgiram novas doenças ligadas ao envelhecimento com o prolongamento da vida".