A partir de hoje, neste espaço, todas as segundas-feiras, trataremos de temas relacionados com a atuação da administração pública e as circunstâncias que envolvem a nossa condição de cidadão, lembrando que a cidadania nos oferece direitos e nos impõe deveres. Ser cidadão, sob essa lógica, é reivindicar e recepcionar garantias fundamentais para que a vida aconteça com dignidade e cumprir deveres que contribuam para ordenamento comum e para convívio em sociedade.
Uma das premissas para que a cidadania tenha consistência é a lei. Por isso a Constituição do Brasil indica, primeiro, que podemos fazer o que quisermos, menos o que a lei proíbe; segundo, que o governo, pelos seus poderes legislativo, executivo e judiciário, só pode fazer o que lei permite. Então, quanto melhor for a lei, mais cidadãos seremos e mais eficiência a administração pública alcançará.
O problema, contudo, é que o Brasil está atrasado no aprendizado legislativo. Temos leis que cumprem sua função e que nos entregam considerável cidadania, como a lei do idoso, da criança e do adolescente, de proteção contra a violência doméstica, e outras que geram tutela para direitos que nos são fundamentais, mas essas leis não compõem a regra geral. Ao contrário, a maior parte das leis produzidas em nosso país – e estima-se que tenhamos, hoje, mais de 80 mil leis em vigor - são elaboradas de forma apressada, com redação imprecisa e obscura e raramente examinadas em sua forma e conteúdo, a fim de confirmar sua necessidade, a eficiência de estratégia de sua implementação e efetividade de sua eficácia.
Dois sintomas desse déficit de qualidade legislativa são sentidos em nossa cidadania: o número de leis declaradas inconstitucionais e a busca do Judiciário para suprir conflitos e omissões decorrentes de imprecisão e de lacunas de lei.
O Brasil é o país democrático com o maior número de leis declaradas inconstitucionais. Apenas no STF, considerando as leis estaduais e federais, de 1988 a 2008, foram propostas 3994 ações de inconstitucionalidade. Em 2017, segundo o Anuário da Justiça, de cada 10 leis 8 foram declaradas inconstitucionais. Na condição de cidadãos, como ficamos diante dessa situação? E a instabilidade que isso gera para as nossas instituições e para o funcionamento orgânico da sociedade?
A busca do Judiciário “para tudo” é outra evidência da precariedade das leis que produzimos. O documento Justiça em Números 2017 (Ano-Base 2016), produzido pelo CNJ, relata o reflexo dessa imaturidade legislativa em sua funcionalidade, apontando altas taxas de congestionamento processual e a imposição de elevada e desproporcional carga de produtividade aos magistrados e servidores, ampliando o tempo de entrega da sentença.
O desafio, portanto, é recuperar esse déficit legislativo e consolidar a cultura da boa lei, não sob a ótica da quantidade de normas, mas evitando que leis inúteis, demagógicas e sem justificativa social se somem ao nosso sistema de normas. É importante que o processo de elaboração de uma lei seja amadurecido, seja fértil no debate social sobre sua repercussão e sólido na sua articulação técnica. Ter mais cidadania passa necessariamente por ter boas leis.
André Leandro Barbi de Souza