Um dia, no rastro dos versos da velha canção escrita por Gilberto Gil, vivi a ilusão de que ser homem bastaria e, até por isso, eu, independentemente das circunstâncias, julguei que, depois de adulto, jamais choraria. Ledo engano! Houve momentos nessa vida, embora raros, que, confesso, não consegui controlar a emoção. Um desses foi há poucos dias (9 de outubro). Aconteceu durante a preparação do livro “Cultivando Talentos 2018”, que foi lançado na última terça-feira (6), às 11h, na 32ª Feira do Livro de Passo Fundo. Enquanto manuseava os originais, recebi, via WhatsApp, uma mensagem da organizadora da obra, Dilse Piccin Corteze, acompanhada de um desenho e um pedido: uma das autoras havia falecido, a mãe encontrou o desenho que ela fizera para ilustrar o texto que havia escrito, trouxe para a professora e pedia para ser publicado no livro.
A autora era Emily da Rocha Stenzel, o texto em voga chamava-se “O sonho de Lúcio” e o desenho mostrava um astronauta (uniformizado no padrão NASA) flutuando no espaço entre estrelas, planetas e um céu de coloração azulada. Desnecessário dizer, mas, por um instante, mesmo sem ter tido qualquer contato anterior com aquelas pessoas, fui tocado por aquele pedido, imaginando e sentindo a situação vivenciada por elas. E assim, parei o que estava fazendo e fui LER, de fato, aqueles textos que, até então, manipulara de forma automática e displicente; especialmente os escritos por Emily.
Emily da Rocha Stenzel era natural de Araucária, PR, e moradora de Erechim, RS. Tinha 16 anos e fazia parte da classe hospitalar Escola de Vida do HSVP. Na fotografia, que ilustra a autobiografia, aparece uma jovem sorridente e de cabeça raspada, sugerindo a doença que a acometia. Nas suas palavras, descreve-se como uma menina calma, quieta e comportada, que gostava de escutar música, assistir futebol e pescar com a família em Jacutinga. Sonhava ser fotógrafa, mas adorava estudar planetas, galáxias, observar a lua e as estrelas. Eu acrescentaria: e com talento para a escrita e para a ilustração.
O sonho de Lúcio, o texto assinado por Emily na obra, retrata bem a sua paixão pelo cosmos. Eis um excerto: “...quando abriu os olhos, estava em um lugar diferente, parecia estar dentro de um foguete. Com uma roupa de astronauta. Ele olhou ao seu redor e estava acompanhado de dois homens, chamados de Buzz Aldrin e Michael Collins. Ele ficou muito espantado! Seus companheiros estavam chamando-o de Neil Armstrong.
Lúcio, não estava entendendo o que acontecera. Então, uma contagem regressiva começou: “5...4...3...2...1...”. E, o foguete estava sendo lançado para o espaço. Lúcio, mesmo um pouco assustado, estava gostando daquilo, pois queria conhecer o espaço.”
A história de Emily, sem qualquer outro juízo de valor, retrata bem o papel do Projeto Identificando Talentos, que desde 2016, por meio de oficinas de criação literária e artística semanais, com foco em estudantes da rede municipal de ensino e da Escola de Vida do HSVP, que abrange pacientes do Centro Oncológico Infantojuvenil do Instituto do Câncer do HSVP, vem sendo conduzido pela Academia Passo-Fundense de Letras, com o apoio da Secretaria Municipal de Educação de Passo Fundo. Nossos respeitos e admiração a todos os envolvidos com esse projeto. Em especial, as acadêmicas Dilse Piccin Corteze (coordenadora) e Elisabeth Souza Ferreira, o professor Edemilson Brandão (Secretário Municipal de Educação), a professora Silvia Ricci (da Classe Hospitalar Escola de Vida) e Claudio Janczak (colaborador do projeto).
Um outro sonho confessado por Emily era ter um Opala. Quem sabe, numa noite dessas, se você olhar para o céu e, poeticamente, ouvir um ronco de motor, não seja ela, que ficou encantada, passeando entre as estrelas que tanto amava.
Quanto à ilustração feita por Emily, eu decidi não colocar no texto, como fora solicitado; mas sim, em homenagem à sua memória, na capa do livro “Cultivando Talentos 2018”. Prestigie esse projeto! Adquira o seu exemplar na Feira do Livro, que vai até domingo (11), no Bourbon Shopping.