Além de Chapada, outros municípios da região Norte do Estado começam a receber imigrantes venezuelanos. Em Passo Fundo, uma família de seis pessoas está instalada há duas semanas, em uma casa, na Vila Luiza, e outra está sendo aguardada para os próximos dias. A iniciativa, neste caso, faz parte de uma ação nacional promovida pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.
De acordo com o bispo Jean Trage, o trabalho da igreja inicia ainda em Boa Vista, no estado de Roraima. A cidade é ponto de concentração dos imigrantes que cruzam a fronteira para o Brasil. Lá, as famílias são selecionadas e encaminhadas para outros estados do Brasil. "A igreja providencia a viagem, casa e alimentos. O segundo passo é encaminhar os adultos para as vagas de trabalho", diz o bispo.
Segundo ele, o trabalho da igreja em Passo Fundo é dividido em sete alas. Cada uma delas representa uma região da cidade e tem seu próprio bispo. A família Castillo está instalada na chamada ala Bosque, coordenada por Trage. A próxima família será instalada na ala Planaltina. Também está prevista a vinda de mais uma família para Carazinho.
Pressionados pela dificuldade em comprar comida, os Castillos foram deixando a cidade de El Tigre, na Venezuela aos poucos. A primeira a cruzar a fronteira para o Brasil foi Margelys, 43 anos. Acompanhada da mãe, sobrinho e cunhado, ela chegou em Boa Vista em 31 de agosto de 2017.
"A situação lá ficou muito difícil. A gente fazia uma refeição por dia. Comíamos sempre os mesmos alimentos. Basicamente era sardinha, mandioca, feijão e verdura. Comíamos um pouco e guardava para o outro dia. O dinheiro não dava para comprar mais nada", revela. A falta de uma alimentação adequada, segundo ela, começou a refletir no desempenho dos alunos em sala de aula. "As professoras diziam que as crianças não conseguiam mais ter atenção por causa da fome. Algumas passavam mal. As escolas estão esvaziando".
No Brasil, Margelys conseguiu emprego como costureira em uma empresa de confecções. Parte do salário era enviado à Venezuela para o restante da família em El Tigre. Com ajuda da igreja, ela conseguiu alugar um apartamento para receber o restante dos familiares.
O marido, Alfredo Castillo, 46 anos, trabalhava como motorista de caminhão, mas perdeu o emprego depois que a empresa fechou as portas. Há sete meses ele abandou a cidade e foi ao encontro da esposa em Boa Vista. "O salário de um mês não dava para comprar comida nem por uma semana. A dificuldade em conseguir alimento foi determinante para sair de nosso país. A situação começou a ficar muito ruim nos últimos três anos. E deve piorar ainda mais", observa.
A última a chegar foi a filha, Marfred Castillo, 24 anos. Prestes a se formar no curso superior de Engenharia de Sistema em uma universidade pública, teve de abandonar o curso por falta de recursos. "Estava no quinto ano, terminando praticamente. Mas não tinha dinheiro para o transporte, a faculdade era longe. Dependia de carona. Era arriscado", conta.
Com a dificuldade de deslocamento dos alunos, alguns professores chegaram a passar o conteúdo das aulas e aplicação de provas através da rede social whatsApp. "O problema é que nem celular eu tinha", revela a jovem. Para poder conseguir dar continuidade aos estudos, ela teria que retonar à Venezuela até o mês de dezembro, mas afirma não ter recursos para a viagem.
Instalados em uma casa confortável, na rua Cândido Lopes, na vila Luiza, o desafio da família Castillo, a partir de agora, é conseguir emprego. As primeiras impressões de Passo Fundo são de otimismo. "Aqui tudo é pertinho, o lugar é bem calmo", observa Margelys.
Nessas duas semanas em Passo Fundo, Alfredo já espalhou currículos por várias empresas e está na expectativa. "A cidade é boa, o lugar é bom, só preciso trabalhar agora". Junto com o casal e a filha, estão na casa, outros dois filhos, de 12 e 17, e um sobrinho, de 22 anos.