Três dias de programação, incluindo encenações, bate-papo e música, marcam, no próximo fim de semana, as comemorações dos 20 anos de (re) existência do Teatro Depois da Chuva. O público terá a oportunidade de ver ou rever, quatro espetáculos que ainda estão em cartaz, montados pelo núcleo ao longo das duas décadas. A programação, destinada para o público adulto e infantil, começa na sexta-feira (07) e termina no domingo (09), no Rito - Espaço Coletivo.
Fazer teatro no Brasil, principalmente longe dos grandes centros, nunca foi tarefa das mais fáceis. Quando se trata de um teatro alternativo, essencialmente artístico, as dificuldades se tornam ainda maiores. Foi justamente por esse segundo caminho que a coordenadora do grupo resolveu trilhar.
Única remanescente da formação inicial, a atriz, diretora e figurinista, Betinha Mânica conta que o núcleo surgiu a partir de um curso de teatro na Universidade de Passo Fundo, realizado pela professora Cilene Potrich, na Faculdade de Artes Visuais, hoje Faculdade de Artes e Comunicação. O primeiro trabalho, de 1998, já nasce com as características do chamado teatro de pesquisa. No palco da antiga sala de espetáculos do Campus 3 da Universidade de Passo Fundo, onde passou trabalhos importantes naquele período, Betinha, ao lado de Marino Otávio, estreou a peça Teatro Depois da Chuva, que mais tarde daria nome ao núcleo.
Sem texto, usando apenas o corpo, os dois, sob a direção de Marcio Bernardes, um carioca e oficineiro no curso, contam a história da relação de um casal. "Durante os trabalhos na oficina, foram surgindo o que chamamos de matrizes corporais. O diretor selecionou algumas e percebemos que havia a história de uma relação ali. Dois atores, dois sonoplastas, figurinos pretos, dois guarda-chuvas pretos e uma flor branca. Simples assim. Teve uma aceitação boa do público, que retornava para ver mais vezes", lembra.
Para o segundo trabalho do grupo, Intolerância, uma adaptação baseada no conto de Guimarães Rosa, Sôroco, sua mãe, sua filha, o grupo contou com direção do baiano, Mário Santana, (falecido no início deste ano). No palco estão os atores da primeira formação do núcleo: Elizandra Assunção, Carol Batochio, Marino e Gilda Lê (já falecida).
"Neste trabalho, sentimos a necessidade de buscarmos um diretor externo para que o Marcio pudesse atuar. O Mário foi adaptando o texto junto com a gente. A história do momento em que mãe e filha são expulsas do povoado por serem consideradas 'diferentes' da população, mexeu muito com o público. Tinha gente que passava mal no espetáculo de tão mexido que ficava", conta a coordenadora.
Na retrospectiva de duas décadas, os dois trabalhos marcam uma espécie de 'primeira fase' do núcleo. Após Intolerância, os integrantes retomam caminhos próprios. Betinha seguiu investindo na pesquisa, contatando com outros mestres, comandando oficinas, fazendo figurinos e lecionando no curso de artes cênicas da UPF.
A retomada aos palcos viria em 2012, com a produção de Os bons serviços. Dirigido por Jerfferson Bittencourt, de Santa Catarina, a peça é uma adaptação do conto homônimo de Julio Cortazar. A obra retrata uma empregada, de vida modesta, contratada para cuidar dos cães de estimação dos participantes de uma grande festa na principal mansão do bairro. Francinet acaba em um encontro inusitado com um dos ‘grã-finos’ na festa, e se vê envolvida em uma trama surreal e misteriosa.
Esse trabalho marca o ingresso de Ana Marques ao Depois daChuva. Ex-aluna de Betinha no curso de artes cênicas, com passagem pelo grupo Ritornelo, onde atuou no Menino do dedo verde, ela chega em 2011 para auxiliar na captação de recursos do novo projeto e faz a produção de som. "Já havia tido alguma experiência no palco, mas como buscava algo diferente, aceitei o convite", lembra.
A parceira entre as duas rende, no ano de 2015, a História (des) contada. Primeiro trabalho infantil do núcleo. Numa iniciativa ousada, o espetáculo mescla universos e personagens de clássicos da literatura infantil, como Chapeuzinho Vermelho, Os 3 porquinhos, Rapunzel, Branca de Neve e o patinho feio.
Os outros dois integrantes da atual formação do Depois da Chuva, chegaram em 2016. Conhecido de Betinha, da época do grupo de teatro da UPF, e também pelas parcerias no Viramundos, o ator Giancarlo Rotta de Camargo, juntamente com Diego Granza, estavam montando O silencioso mundo de Flor, quando surgiu o convite para integrar o núcleo.
"Prezo muito pelas funções do fazer dentro do teatro. Quando a gente acumula muitas funções, se aproxima muito do erro. Eu já tinha feito adaptação da história, estava em cena, eu precisava de alguém de fora para ver os equívocos e apontar os erros. Betinha gostou muito do trabalho e perguntou se eu não queria apresentar pelo depois da Chuva. A gente tem muita proximidade de linguagem", conta o ator.
No ano passado, a parceria entre Gian, (em cena), e Betinha, (direção) rendeu o primeiro espetáculo de rua do núcleo. Com textos de Gilberto Porto Lamaison, Amoroso recebe o público numa roda de chimarrão, onde se fala sobre a vida, saudades e amores. "Fomos reunindo material, até que chegou um dia que eu disse para montarmos o espetáculo", lembra.
Diversificando os formatos, no mais recente projeto, o Depois da Chuva lançou em outubro deste ano, a contação de história "Menina bonita do laço de fita". O trabalho é realizado pela atriz Ana Marques com manipulação de bonecos, a partir do texto da escritora Ana Maria Machado.
Múltiplos encontros
"O grande lance do teatro é fazê-lo construí-lo, como atriz, diretora, figurinista e espectadora. É uma coisa muito louca, ainda mais quando consegue ir desvelando, ou deixar que ele te desvele. Quando tu percebe que todos os caminhos são caminhos. Que você pode ter um figurino que te ajuda a constuir o personagem. Tem uma visão de público, de um espetáculo que transforma tua vida, como ser humano. E quanto tu vai dirigir o outro, você já é mais compreensivo com ele. Quando está sendo dirigido aprende a ser paciente porque o diretor também é parte de você. Quando a sonoplastia interfere na tua energia, você devolve alguma coisa para o iluminador. É amplo. É um encontro muito forte. O teatro provoca múltiplos encontros se você estiver ali 100%.
Pesquisa do ator
"A pesquisa corporal continua, ela não se apaga. Não é como uma pesquisa acadêmica de dados. Ela fica inscrita no teu corpo. Essa coisa de fuçar no teu corpo pra ver o que tu é capaz. No meu caso foi abrindo o olho para direção. Como eu consigo, de alguma maneira, ler a energia do outro, consigo, vamos dizer, dirigir sem afogar a energia do ator. Por isso, é importante ter essa pesquisa do ator".
Disciplina
"Disciplina e humildade são os principais requisitos do ator. A maioria nunca vai ter reconhecimento, quiçá, às vezes, nem na sua própria cidade. Não é como cinema, TV, que te projeta. O teatro projeta, às vezes. Quando a gente trabalha numa linha experimental, aí já viu né. Se você está pensando em ser famoso, não faça teatro".
Sobrevivendo do teatro
"É fogo. Tivemos uma época áurea com o Viramundos, pela estrutura e o número de empresas que investiu. Fora isso, é aquela velha história, tem de se desdobrar em vários. Não conheço ninguém que consiga viver do 'estar no palco' como ator, em Passo Fundo. Quem está no teatro, não é só atuar. Tem que dar aula, fazer oficinas e tal. Tem de correr atrás".
Além do aplauso
Acho que todo o artista que faz arte, por algo além do aplauso ou da fama, em algum momento, ou durante toda sua vida, se questiona, quer mais. Começa a ver caminhos e se coloca em xeque. Tu começa a buscar e vai encontrando. Quando conheci o Lume, fiz uma oficina e sabia que era aquilo. O ator não vive de decorar texto. Para nós não era satisfatório viver assim. Tem todo o período que precede isso. Trabalhar a arte do ator. Fomos aliando técnicas, buscando mestres. Por último é que se chega a um espetáculo, se é que se chega".
Espaço Rito
"É muito bom, ter onde ensaiar. Todo mundo enfrenta esse problema. Para a população também ficou muito bom. Lá se faz teatro, música, poesia, oficinas, eventos. Ano que vem teremos oficinas para crianças. A população tem que aproveitar esse espaço. Criar o hábito de ir".
Valorização
O ator faz uma peça na praça, lindo, passa o chapéue o cara coloca um ou dois reais. Tudo bem, teatro de rua é democrático, quem não tem, não coloca. Mas a mesma pessoa que paga R$ 100, para ver um ator global, que pensa que teatro é igual a TV, acha caro pagar R$ 20 para ver os atores aqui. Por outro lado, tem o público cativo, fiel, mais cult e nossos apoiadores culturais, que são fundamentais.
Programação
7/12 - Sexta-feira
20h - Contação de história "Menina bonita do laço de fita"
20h30min - Bate-papo - 20 anos depois
21h - Festa com afeto, música, comes e bebes
8/12 - Sábado
17h - espetáculo infantil "O silencioso mundo de Flor"
20h30 - espetáculo adulto - Os bons serviços (classif, 12 anos)
9/12 - Domingo
17h - espetáculo - História (des) contada
19h - espetáculo de rua - 'Amoroso'
Entrada franca - colaboração espontâneia
Local : Espaço Rito - Anibal Bilhar - 900A