Um cronista deve estar atento aos fatos do momento; alguns deles têm conotação política, religiosa, social...Outros têm ressonâncias sentimentais puras, quase inocentes. Aos treze anos comecei a me interessar pelo futebol através dos olhos e das emoções de meu pai que era ferrenho torcedor do Guarani (Cruz Alta), Grêmio, Gaúcho (Passo Fundo) e Vasco da Gama. Em 7 de agosto de 1971 assisti a São Paulo e Grêmio, num sábado à tarde, Morumbi, o primeiro jogo do primeiro campeonato nacional, que foi vencido pelo Galo. Foi 3xO, dois de Hector Scotta (argentino) e um de Flecha (assim com ch). Logo do São Paulo de Pablo Forlàn, Gerson e Pedro Rocha. A gente tinha Jair, Beto Bacamarte, Torino, Loivo. Desse orgulho, de vencer fora de casa e de surpreender, brotou a paixão tricolor.
Essa semana vi Luan (camisa 7) e lembrei que ele disse que no Grêmio a camisa 10 é a 7. É verdade, recordei os notáveis número 7 tricolores a partir de 1970: Flecha, Carlinhos, Zequinha, Renato, Valdo, Paulo Nunes e Luan. Na seleção Ronaldinho iniciou coma 7. Mas, havia alguém deveras importante; na manhã seguinte a mídia noticiava a morte de Tarciso (José Tarciso de Souza, como dizia o efêmero treinador gremista, Paulo Lumumba), o Flecha Negra, 721 jogos com o manto tricolor. Lembrei imediatamente daquele jogo de 1972 onde, pelo América do Rio, ganhou em velocidade de Bibiano Pontes. Em uma de suas arrancadas fantásticas Armindo Ranzolin descrevera: Tarciso...como um bólido venceu seus marcadores...gol do Grêmio, gol de Tarciso, gol do Flecha Negra. Veloz, como um bólido, tipo Luis Mário, o papa léguas...nunca esqueci.
Conversamos (Tarciso e eu, num almoço do consulado aqui em Passo Fundo) sobre isso e outras histórias, como a omissão da comissão técnica da seleção para a copa da Argentina, quando Coutinho deixou de levá-lo e a Falcão, do Inter. Numa edição da Revista Placar do ano seguinte estava estampado na capa uma foto de Tarciso e mancheteava: esse era o ponta. Guardei-a por muitos anos.
A última vez que eu o vi em ação ao vivo foi no Olímpico e fiquei admirado pelo seguinte: Leão cobrava tiro de meta até o grande círculo para Batista; este, ao receber a marcação, atrasava a bola para De León que pisava na mesma e dava um comando e lançamento; os três atacantes, Renato, Caio e Tarciso partiam do meio de campo em alta velocidade, trocando de posições e confundindo a marcação. Valia mais que um gol ver a dinâmica de Valdir Espinosa. Era simples, era aplicável, era perfeito. Três velocistas aproveitados ao máximo de suas potencialidades e a partir disso ganhamos a Libertadores e o Mundial.
Na foto dessa semana, marcando os 35 anos da conquista do mundo, há Caio com as pernas amputadas ou o que sobrou delas, Renato e Tarciso não figuram; um estava no vestiário e o outro hospitalizado, morrendo fisicamente. Como escreveram, ganhou asas e a eternidade. Foi tudo muito rápido, partiu como chegou, como um bólido e ajudou a cravar o número 7 no coração da grande nação tricolor. Ídolo eterno, hora de descansar e, para nós, hora de recordar as nossas inocências num mundo cheio de mediocridades e de leviandades e agradecer pela tua luta e exemplo que honra a camisa tricolor.