Dona Tereza ganhou um pijama, uma pantufa e uma toalha bordada com o nome dela. Osvaldina ganhou um chinelo e um vestido. Graciosa, duas blusas. Anna Aurora ganhou dois vestidos. Assim, aos poucos, lista de desejos das 26 vovós vai sendo preenchida. Desde que um ensaio fotográfico, em que as idosas do Lar da Vovó exibem quadros com seus nomes e aquilo que gostariam de ganhar de Natal, foi publicado na página do Facebook da instituição, o volume de doações aumentou consideravelmente.
Nesta semana, os funcionários precisaram transferir os presentes para outra sala, conforme a enfermeira responsável Alice Duarte da Rocha. O número de presentes não foi contabilizado porque conforme eles chegam, já são entregues às idosas. Em muitos casos, os doadores fazem questão de presentar e conversar com as moradoras da entidade.
Também há casos de pessoas que preferem não se identificar. Edenilson Walmir dos Santos é motoboy e foi ao Lar na tarde desta sexta-feira (14) deixar uma encomenda anônima. “Tem muita gente que doa, mas não quer aparecer”, garante. Ele oferece serviço gratuito para qualquer pessoa que queira fazer doações, mas não têm como ir até a instituição.
As idosas, em geral, ficam curiosas e gostam de saber quem as presenteou. “Bonito né? Quem foi que deu?” questiona Anna Aurora Viegas da Silva, ao exibir o vestido que havia acabado de ser entregue por uma das funcionárias. “Eu fico muito feliz da vida quando ganho presente, ainda mais um vestido. A gente sempre gosta de ganhar um presente ou outro né?”, declara Anna.
Nem sempre as doações resumem-se a bens materiais. Aos 80 anos, em plena lucidez, Tereza agradece também pelo amor com as vovós do Lar. Católica devota, deseja que todos os doadores estejam sempre acompanhados pelo seu Deus.
Boa de conversa, Tereza Irene Marques da Silva foi uma das idosas que a reportagem de ON entrevistou quando esteve na instituição, há dois anos. Ela já está há mais de 15 anos no Lar da Vovó e é uma das moradoras mais antigas. Sem furo de brinco nas orelhas, ela contou, à época, sobre o voto de pobreza que fez para viver com Jesus. Passou um tempo no convento e depois trabalhou, por 31 anos,como empregada doméstica. Apesar de ter abdicado da vida no convento, não casou nem teve filhos. Quando o irmão faleceu, seu destino foi o lar.
Tereza continua sem furar as orelhas, mas vaidosa com as unhas das mãos pintadas com esmalte rosa. A devoção religiosa também permanece a mesma, citando trechos bíblicos diversas vezes durante a conversa.
Osvaldina Pereira Flores foi outra idosa entrevista pela reportagem em 2016. A época, ela exibiu seus trabalhos em crochê. Com parte da visão comprometida, atualmente ela deixou o passatempo de lado. Osvaldina é filha de ferroviário emora em Passo Fundo desde os sete anos. Foi costureira e do lar durante toda vida. É mãe de quatro filhos. “As duas gurias trabalham no comércio e o guri é técnico de enfermagem. Minha outra filha faleceu já”.
Viúva, com todos os filhos ocupados com suas tarefas diárias, ficava sozinha em casa. Quando começou a apresentar dificuldades para se movimentar, há mais ou menos sete anos, decorrente do desgaste do corpo e da pressão alta, Osvaldina e os filhos viram, no Lar da Vovó, a solução para evitar qualquer acidente doméstico.
Aos 87 anos e com muito bom humor, lembra que a adaptação à instituição foi difícil no início, mas que agora está habituada e feliz.Na visita de ontem, ela já usava o chinelo que ganhou de natal. “Eu me sinto muito feliz em ganhar os presentes, porque eu nunca ganho nada de ninguém, só das minhas filhas. Então eu fiquei faceira”, enfatiza.
Data especial
Presidente do Lar, Lorena Ribeiro explica se tratar de um feriado importante para muitas delas. Enquanto algumas delas aguardam ansiosas para comemorar as festividades de fim de ano ao lado da família, outras, desamparadas, têm nos funcionários do lar suas únicas companhias. Independente da situação, para elas, o Natal nunca perde a magia.
Este é o terceiro ano que a entidade realiza a campanha de Natal pelas redes sociais. “Sempre tem uma repercussão muito grande. No ano passado foram mais de 100 mil visualizações”, aponta. Neste ano, a postagem já chegou a quase 800 compartilhamentos. “Eu tive a ideia de fazer as fotos e compartilhar na nossa página ao conversar com algumas amigas sobre como a comunidade poderia participar e presentear as idosas. As redes sociais são uns dos meios de comunicação mais vistos, então soubemos que era uma boa plataforma”, explica.
O engajamento por parte das vovós, que esperam a demonstração de solidariedade da população, também é total, garante Lorena. Até mesmo a vaidade e autoestima saem ganhando. “No dia das fotos, elas ficam agitadas, passam batom, botam uma roupa bonita... Se torna uma diversão para elas. Elas adoram tudo isso”.
Como doar
Durante o período que antecede o Natal, a administração do Lar abre as portas das instituições para quem tem interesse em visitar as idosas. Além disso, no dia 20 de dezembro, está programado um almoço com as vovós e a equipe de trabalho. Neste domingo, dia 16, a confraternização é com os familiares. Quem tem interesse em fazer doações, sejam elas de bens materiais ou de carinho, pode fazer a entrega na sede da entidade, localizada na Rua Dona Elisa, 478, na Vila Fátima ou fazer contato telefônico, nos números (54) 3313-4776 ou (54) 9 9144-0642. As doações serão recebidas até o dia 23 de dezembro.
Passo Fundo tem 30 mil idosos
Hoje, estima-se que no município há cerca de 30 mil idosos acima de 60 anos. Entre as 23 Instituições de Longa Permanência, há aproximadamente 450 idosos acolhidos. Cada ILPs acolhe em torno de 20 idosos. Segundo dados do IBGE de 2010, a população idosa feminina era maior. Eram 12.913 mulheres para 9.016 homens idosos. As instituições dividem os idosos em três graus. O grau um são aqueles idosos que têm autonomia para desempenhar suas atividades, o grau dois corresponde àqueles idosos que apresentam algum grau de dependência da vida diária e o grau três àqueles idosos que apresentam situação mais preocupante como não conseguir desempenhar atividades sem auxílio.
“A nível de município nós temos duas parcerias assistenciais - Lucas Araújo e a São Vicente. Tem mais duas que fizeram parte de uma chamada pública, que são referentes aquelas famílias que não tem possibilidades de arcar com as despesas da institucionalização do idoso e há um repasse do município. As demais instituições são particulares, então os próprios familiares acabam custeando a permanência do idoso”, ressalta a secretária-adjunta da Secretaria de Cidadania e Assistência Social, ElenirChapuis.
As de cunho privado se mantém com recursos provenientes dos valores que cobram das mensalidades. Algumas recebem auxílio da comunidade. Os valores variam, as instituições mais simples cobram em torno de dois salários mínimos (R$ 1.760,00) e as mais caras entre R$6 e R$7 mil reais por mês. Os preços são definidos a partir do tipo de cuidado oferecido pela instituição. As instituições que cobram preços mais baixos geralmente oferecem serviços aos idosos de grau um.
Expectativa de vida aumentou
A expectativa de vida do brasileiro alcançou a maior média da história. Projeção divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que a longevidade chegou a 76 anos. Um salto de 22 anos em relação ao registrado na década de 1960, por e exemplo, quando a média chegava a 54. Até 2060, a população com mais de 60 anos mais que dobrará de tamanho e atingirá 32,1% do total de habitantes. Atualmente, ela representa 13,44%. Em 2060, um quarto (25%) da população terá mais de 65 anos — a expectativa de vida será de 81 anos.
Melhor cidade para se viver
Passo Fundo está no topo da lista entre as melhores cidades do Rio Grande do Sul para envelhecer com mais saúde. É o que diz o ranking do Índice de Desenvolvimento Urbano para Longevidade (IDL), medido pelo Instituto de Longevidade Mongeral Aegon em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Primeira no ranking, Passo Fundo superou até mesmo a capital gaúcha e destacou-se por oferecer as melhoras ofertas de serviços médicos. Quando comparada a todas as cidades grandes do país, Passo Fundo aparece em 4° lugar e supera, inclusive, grandes centros urbanos, como Rio de Janeiro e São Paulo. A posição de destaque na pesquisa pode ser atribuída à qualidade da rede de saúde, às opções de lazer disponíveis e o grande número de espaços públicos para convivência da população.
O papel dos programas de atenção ao idoso, que pertencem à Coordenadoria Municipal de Atenção ao Idoso (COMAI) da Prefeitura de Passo Fundo também são responsáveis pelo bom índice. Entre eles, até o ano passado, os 50 grupos de convivência, que atendem hoje mais de três mil pessoas com idade superior aos 60 anos.
A Prefeitura possui diversos programas de auxílio aos idosos. O programa Vacina em Casa, que leva a vacina contra a gripe até a casa do idoso que não pode se deslocar; há a dispensação de remédios às comunidades de cada bairro, com o programa Farmácia Mais Perto, o que faz com que as famílias comecem a atender melhor o idoso e dar a medicação na hora certa e realiza a compra de vagas em instituições particulares de longa permanência, para aqueles idosos que não tem condições de pagar pela permanência em uma.