Do lixo para as mãos das crianças

Recicladora recolhe do lixo brinquedos e roupas de bonecas e com ajuda de outras mulheres recupera para presentear crianças de áreas ocupadas

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Ao ver diariamente uma infinidade de brinquedos, dos mais variados modelos, passando diante de seus olhos, na esteira da usina de reciclagem de lixo, onde trabalha há cerca de dois meses, Terezinha Pereira Duarte, 54 anos, percebeu que dali poderia fazer a alegria de dezenas de crianças neste Natal. No dia seguinte, tratou de levar a ideia aos moradores das ocupações Bela Vista e Vista Alegre, ambas no bairro Petrópolis. Lideranças desses dois lugares trabalham na organização da quarta edição da festa de natal para as crianças, que acontece neste domingo, na Bela Vista.

 

Organizados em três equipes, Terezinha, ou Tere como é conhecida na comunidade, se encarregou de trazer os brinquedos da usina. Para dar conta da demanda de crianças, a expectativa é presentear aproximadamente 300, conversou com os colegas de trabalho e pediu apoio na separação deles durante a passagem pela esteira. Enfrentando problemas de saúde e, após cumprir uma jornada diária longa, nos últimos 20 dias, Tere voltou para casa todas as noites carregando duas ou três sacolas lotadas de brinquedos. O deslocamento da usina até o bairro São Luiz Gonzaga, onde reside, é feita no ônibus da empresa. Mesmo assim, precisa caminhar cerca de 200 metros até em casa. "Tenho diabete e desgaste ósseo. Muitas vezes vinha arrastando as sacolas", conta.


O passo seguinte, consistia em lavar e recuperar as peças danificadas. Duas mulheres se encarregaram da missão. Uma delas é Mirts Teodoro, 58 anos, moradora da Bela Vista. Após o processo de lavagem, ela vai pacientemente costurando e remendando cada brinquedo. Para algumas bonecas ela precisou confeccionar as roupas. Outras necessitavam apenas de pequenos reparos. São horas de dedicação para deixar tudo pronto até domingo. "Passo as tardes envolvidas com essa atividade. Tenho problema de depressão, pra mim está sendo uma terapia. Quando criança fazia minhas próprias bonecas, usava espiga de milho nos cabelos dela", conta.


No Parque Farroupilha, distante cerca de dois quilômetros da ocupação, Denair Sandri, 45 anos, também faz o mesmo processo. Ex-moradora da Vista Alegre, de onde saiu há cerca de cinco anos, ela não economiza esforços para auxiliar na festa. Além de lavar e recuperar os brinquedos, também é responsável pelo controle dos alimentos arrecadados. Com caneta e um bloco na mão, ela contabiliza a entrada e o que cada criança vai receber. A distribuição será feita por um papai noel voluntário. "Só aqui na minha casa são 69 ursos, 28 bonecas e 28 carros", afirma.


Líder da ocupação Bela Vista, Moisés da Cruz, diz que 50% dos brinquedos que serão entregues no natal foram retirados da Usina e reciclados, outra parte é doação da comunidade. Segundo ele, os grupos também fizeram campanha de coleta de alimentos em alguns supermercados da cidade. "Vamos ter refrigerante, cachorro-quente, balas, doces, pipocas. Além de apresentações artísticas", revela. A organização da festa conta com apoio da Comissão dos Direitos Humanos de Passo Fundo e voluntários. Desde quinta-feira, um mutirão trabalha na embalagem dos presentes.



"Meus colegas não acreditaram"
Assim que os brinquedos foram sendo recuperados, as equipes gravaram vídeos e postaram nas redes sociais. Segundo Tere, os colegas da usina ficaram surpresos quando viram tudo 'limpinho e consertado'. "Muitos duvidaram de que não eram os mesmo brinquedos retirados da esteira. Ficaram impressionados", revela.


Tere conhece muito bem o sentimento de uma criança passar o natal sem ganhar nenhum presente. "Na minha época a gente era muito pobre, não tinha dinheiro para comprar, não ganhava nada. Cresci e enfrentei a mesma situação com meus filhos (nove, uma delas falecida). Passei por muita coisa e estou aqui. Muitas vezes tinha um pouco de arroz e feijão para toda a família e mais outras crianças que vinham. Sempre dividi tudo o que tinha com todos. Um pouquinho para cada um. Natal é um sentimento bom que deveria ser todos os dias”, acrescenta.


Ela acredita que a iniciativa vai chamar a atenção da comunidade e evitar que os brinquedos tenham o lixo como destino. “Façam doações para ajudar. São brinquedos ótimos, caros, desperdiçados durante o ano todo, que poderiam parar nas mãos das crianças. Parece tão pouco para quem descarta, mas para uma criança uma boneca, um carrinho faz toda a diferença. Isso marca para uma vida toda”, observa.


Teatro
Uma das atrações na festa de natal da Ocupação Bela Vista, será a apresentação da peça "Auto da Miséria", do Grupo Ritornelo de Teatro. O espetáculo narra a trajetória de um simples homem do povo que consegue, após a passagem de Jesus Cristo na terra, três desejos. Desta forma nosso anti-herói, o Cumpadre Miséria, consegue enganar a todos: do Governador até as fantásticas figuras de Deus, do Diabo e até da Morte. A partir desse evento, uma série de problemas começam a surgir. Como então resolvê-los?

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