Ele começou escrevendo para o caderno de cultura de O Nacional, e o material foi parar nas mãos do amigo e escritor Afonso Romano de Sant´Anna. Em 2001 os dois se encontraram na Jornada Nacional de Literatura e veio o desafio: publicar uma seleção de 30 crônicas das mais de cem que havia escrito. Nascia assim, em 2003, Por que os homens não voam, primeiro livro de Pablo Morenno. Passados 15 anos, o autor é considerado um dos principais no gênero literatura infantil no Rio Grande do Sul. Com mais de 100 mil livros vendidos e uma agenda de 12 eventos por mês, Pablo conquistou, este mês, o troféu Carlos Urbim, da Academia Rio-Grandense de Letra, na categoria melhor livro infantil. Criador da Physalis editora, em 2014, o autor tem 12 livros publicados e está editando obras de outros escritores, entre eles, Christian David e Caio Riter. Seu livro, Minha Avó tecia o Mundo, vai ganhar o formato de curta animação pela produtora Super 8, de Porto Alegre, a partir da seleção de um edital de 2017 da Secretaria de Cultura do Estado. Confira a entrevista abaixo.
ON – O prêmio Carlos Urbim e um reconhecimento do seu trabalho como autor e editor também. Qual o estilo da obra?
Pablo Morenno – Alfabeto Poético dos Nomes foi finalista em três prêmios gaúchos. O Prêmio da Associação Gaúcha dos Escritores, Prêmio Minuano de Literatura, e do prêmio Carlos Urbim, pela Academia Rio-grandense de Letras, o qual acabou sendo o vencedor. É um livro de poesia para criança. Há um poema para cada nome. A ilustração é de Simone Matias, grande ilustradora brasileira. Em 2016 ilustrou a Coleção Itaú Cultural.
ON- Por que surgiu a necessidade de lançar a própria editora?
Pablo Morenno – Por uma questão profissional. As editoras pagam 10%. Eu vendo muito livro. Não tem como mostrar cientificamente isso, mas eu sou o autor gaúcho que mais trabalha em escolas e eventos. Não tem pesquisa pra confirmar isso, mas meus colegas do meio dizem. Durante os meses de setembro, outubro e novembro estava em casa apenas nos finais de semana. Se eu pensar as crianças que eu atendo no ano dá muito mais que uma jornada de literatura.
ON - É o ano todo nesse ritmo?
Pablo Morenno – Entre março a julho são cerca de dois eventos por semana. Dá uma média de 30 eventos até a primeira metade do ano. Na segunda metade, aumenta bastante, sobe para uns 12 por mês.
ON - Isso é agenda de pop star, de cantor sertanejo
Pablo Morenno –(risos). Eu sou o único autor de Passo Fundo que tem uma carreira fora da cidade, que mora aqui, e que vive de literatura. Eu trabalho a distância no Tribunal Regional do Trabalho, tenho uma meta mensal a ser cumprida. Deixei todos meus cargos, para me dedicar à editora e aos livros.
ON - Desde quando vens se dedicando dessa forma?
Pablo Morenno - Desde 2014, quando lancei a editora. Tinha que ter duas coisas: uma é a questão financeira. Eu poder ganhar e viver como autor, me sustentar com isso. A segunda é a questão da qualidade da produção. As editoras nem sempre estão preocupadas com a qualidade, mas com a venda. Eu queria ter mais autonomia em relação ao que eu produzo.
ON - O lucro anteriormente era de 10% por livro
Pablo Morenno – A lei do direito autoral hoje é 10%. No momento em que passei a ser editor dos meus livros, tenho um ganho que chega a 60% do valor de capa. Outra coisa é que a gente não trabalha com intermediário. Por um lado é a dificuldade em se ter uma distribuidora. Elas querem ganhar demais e querem exclusividade.
ON - Como é feita a distribuição?
Pablo Morenno – A venda é direta para municípios e escolas. Eu trabalho com uma distribuidora de Porto Alegre, e uma de Curitiba. Vendemos na internet e por venda direta.
A escola entra em contato e faz o pedido. Tem uma cota de venda. Além do meu trabalho, eu trabalho com mais três autores. Para me levar até a escola, tem uma cota de livros. Em média uma venda de 100 exemplares por escola num raio de 100 quilômetros. Trabalhei numa escola de Dois Irmãos, com 800 alunos, venderam quinhentos e poucos. Os alunos compraram. Tem muitas escolas públicas que compram bastante livros. Foi isso que acabou gerando uma reserva pra que eu edite alguns autores, mais conhecidos.
ON - Você também utiliza a música nessas visitas?
Pablo Morenno – Quando comecei sofri preconceito com relação aos escritores, porque eu usava música. Então diziam que as escolas me chamavam só porque eu tocava violão e cantava. Tinha lugares que ia, nas feiras, e tal, que recebia indireta do tipo, 'ah, acho que vou ter que aprender a dançar ballet pra ser reconhecida’. Teve um autor que disse 'acho que vou ter que aprender a tocar gaita pra vender livro'. Passei muito por isso, de ouvir que o Pablo vai nas escolas porque toca violão, conta história. Acho que os prêmios que recebi vêm como uma revanche, não é só porque eu toco violão, porque tenho literatura boa.
A Jornada de Literatura só me chamou, na verdade, porque eu tinha ido pra feira de Bolonha, na Itália, em 2017, eu não, o livro entrou para o catálogo. Foram 30 livros escolhidos, eu fui o único autor gaúcho de literatura juvenil escolhido. A Feira do Livro Infantil de Bolonha é a maior do mundo. Foi o primeiro reconhecimento nacional que eu tive.
ON – E sobre a metodologia adotada nas escolas durante as visitas?
Pablo Morenno - Me inspirei na metodologia da Jornada de Literatura criada pela Tânia. Primeiro momento é a escolha dos livros a serem trabalhados. Segundo momento, dependendo da quantidade de livros adquiridos, faço oficina de treinamento com os professores. No terceiro momento, gravo vídeos para as turmas, com desafios e tarefas de leitura. Os desafios são sobre ilustração, produção de texto, dos personagens, conforme a idade. Quarta fase é o encontro. Além da exposição dos trabalhos, tem dança, o pessoal cria uma dança em cima de um texto. Criam hap, funk. Durante a conversa perguntam sobre os livros, personagens, como foram criados. Encerra com autógrafos. Essa é a metodologia, dura uma hora e meia a duas horas.
ON - A música entra em que momento?
Pablo Morenno - A música entra conforme as temáticas do livro. Em geral, cada livro infantil tem música.
ON - Você compõe as músicas
Pablo Morenno - Sim, o Alfabeto Poético dos Nomes, por exemplo, eu fiz a música, tem o refrão "Na casa do alfabeto brinca a poesia e chama o universo pra ver a luz do dia" (canta para demonstrar). As professoras quando trabalham o livro, vão trabalhando essas músicas. Os livros para maiores, pego músicas conhecidas.
ON - Como é para o escritor ter o retorno da obra com essa diversidade de manifestações artísticas?
Pablo Morenno – É uma recriação. A literatura é a arte básica. Todos os filmes da Disney, por exemplo, são baseados em duas mitologias, a grega e a celta e os clássicos da literatura infantil. A literatura sempre foi o ponto de partida. Eles partem da literatura e recriam em outras artes, como pintura, teatro, música, dança. Nesse processo refletem sobre as questões humanas importantes que estão no livro. A literatura é interessante pra discutir isso. Surpreende porque em cada lugar que eu vou tenho uma coisa nunca vista.
ON – Os professores realizam um papel fundamental nesse processo todo?
Pablo Morenno - Temos milhares de professores com salários atrasados que estão trabalhando. Criam, se viram. A gente tem um preconceito contra a educação. A educação funciona sim, por conta do próprio professor. Tem escolas que é um professor que me convida para visitar, ele acaba motivando toda a escola. Fazem das tripas o coração pra alcançar a cota. Os alunos vendem rifas, vendem pasteis, se juntam em três ou quatro pra comprar um livro. A educação, considerando tudo que já foi no Brasil, está muito bem. Professores muito dedicados. Tem essa discussão sobre a questão ideológica, professor não tem tempo pra isso, meu amigo. A gente vê os professores se virando com o que tem, pra que a escola funcione. Eu vou te dizer sinceramente, as escolas que visito vejo professor dedicado, tirando dinheiro do bolso pra fazer eventos. Eles buscam patrocínios. Tenho uma grande esperança com a educação. Tu vai em escola que não tem estrutura nenhuma, não tem computador, não tem bibliotecas, governo tirou os bibliotecários das escolas estaduais. Os professores se revezam pra que a biblioteca funcione, fazem campanhas para arrecadar livros. Tem cidades do interior que a escola faz a feira do livro da cidade. A maior parte das escolas que trabalho é pública.
ON - E o desafio de escrever para criança. Chamar a atenção delas, ainda tem a concorrência da internet?
Pablo Morenno - Eu acho que uma boa história vai atrair a atenção delas. Os autores de literatura infantil são responsáveis por criarem histórias atraentes. A gente não pode culpar a tecnologia. É a culpa de produzir um livro que encante e atenda aos anseios da criança. E hoje em dia, a gente sofre muito pela questão da censura. Existe uma visão errada de criança, pelo moralismo, da religião, de que a criança é um ser inocente, puro. Evita-se trabalhar questões importantes com a criança. A literatura infantil, de sempre, é uma literatura que ajuda a criança a trabalhar as emoções mais complexas. A gente tem que aprender que a criança trabalha no simbólico, é uma representação. O autor tem que despertar um conflito próprio da criança. Ela vai se identificar com o texto. A gente tem tido livros infantis boicotados nas escolas.
ON - Você já enfrentou esse problema?
Pablo Morenno - Já. Eu tive um livro o Menino Peixe foi censurado num município porque achavam que as questões eram muito fortes para um adolescente. Tem gravidez na adolescência, a mãe que amarra o filho porque ele é usuário de crack. Inclusive, eu seria o patrono da feira do livro deste município. Como ficaria quatro dias na cidade, então teriam que comprar uma cota de livros. A literatura não é lição, é arte. A causa disso é um moralismo exacerbado. Uma visão religiosa da arte. Acho que a literatura tem que trabalhar todas as questões humana. Nenhuma questão humana pode ficar ausente para a criança. O que muda é a forma de abordagem. Tudo que a criança vive tem de estar na literatura. Isso é o que acontece na literatura mundial. As grandes histórias da literatura são todas terríveis. Por exemplo, João e Maria tem canibalismo. Quer dizer que a criança vai aprender a ser canibal? A Bela Adormecida tem envenenamento, tem assassinato. A criança vai aprender a envenenar as outras pessoas? Na Rapunzel, o pai e a mãe vendem a criança para uma bruxa por um rabanete. Podemos pegar várias outras histórias infantis. Elas têm essas questões. A questão é o modo como tem que ser abordado, próprio para criança. Outro aspecto é a mediação que é feita pelo professor ou pelo pai.
Não simplesmente tirar da pauta essas questões
Claro que não. A experiência que eu tenho nas escolas é que a literatura ajuda a criança a resolver essas questões. Aqui em Passo Fundo, fizemos um trabalho há dois anos. Com meu livro O anjo destrambelhado, que fala da adoção. A proposta era de que as crianças transformassem as suas vidas num conto de fadas. Conheceram todos os personagens, teriam que contar a história deles, com o Lobo Mau a fada, a bruxa. Tivemos dois casos relatados pelos professores. Uma do padrasto que abusava da menina. Ele foi colocado como o Lobo Mau na história. Usou a história para colocar a situação. Outra criança se colocou na história de João e Maria e a vó A vó era prostituta e quando saía de noite deixava a neta trancada. A criança se utiliza da arte para representar as questões emocionais. Se não se discutir gravidez com os adolescentes, quem vai fazer isso? A questão das drogas, os adolescentes não vivem essas situações? Tem que se discutir na escola, não do ponto de vista religioso.