Família Acolhedora: 4 famílias passam pela experiência

Oito crianças e adolescentes são atendidas pelo programa que objetiva restabelecer o convívio com a família paterna ou preparar para adoção

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Desde 2013, cerca de 15 famílias de Passo Fundo já passaram pelo serviço de Acolhimento em Família Acolhedora. O serviço é destinado à proteção de crianças e adolescentes com vínculos familiares rompidos ou fragilizados, e que passam a ser acolhidas por famílias voluntárias. Atualmente, em Passo Fundo, existem oito crianças e quatro famílias no programa. As crianças possuem idades distintas, que variam de menos de um mês até 12 anos de idade. Com o serviço, garante-se a proteção integral desses sujeitos, compreendendo moradia, alimentação, educação, saúde e demais necessidades referentes a um desenvolvimento saudável.

 

“Essa família, acolhe na sua residência as crianças e adolescentes que são afastados da família de origem mediante medida protetiva. É uma modalidade de atendimento que visa oferecer proteção integral às crianças e adolescentes, até que seja possível o retorno das mesmas a sua família de origem, a reintegração, ou se não houver possibilidade de retorno à família ocorre o encaminhamento para a adoção”, explica a secretária adjunta de Cidadania e Assistência Social (SEMCAS), Elenir Chapuis.


No processo, a criança permanece durante todo o período residindo na casa acolhedora. A família tem a responsabilidade dos acolhidos, assumindo os direitos e deveres que são reservados ao guardião. “A própria legislação já diz que a responsabilidade dos cuidados com as crianças e jovens é da família, do estado e da sociedade. A família é voluntária, mas ao mesmo tempo ela tem uma responsabilidade de afeto e de amor, porque acaba abrindo a sua casa, a sua vida, seu coração, assume uma criança e muda a sua rotina. O amor de uma família acolhedora não tem como medir, é muito grande. Se não houver afeto e carinho não tem como ser acolhedor, tem que estar preparado para ofertar isso”, completa a secretária.


O serviço quebra o paradigma do acolhimento ainda existente no Brasil, que seria a sistemática de medidas protetivas nas instituições de acolhimento infantil. Segundo Elenir, é fazer diferente do que se está acostumado no país, que muitas vezes a primeira medida é colocar na instituição. “Independentemente da situação da criança, se proporciona a convivência familiar mesmo que não seja a sua família de origem. Quebra completamente este paradigma da instituição, das casas lotadas de crianças e da dificuldade no cuidado. Quando a Família Acolhedora assume uma criança ela se dedica ao atendimento e convivência dessa criança que continua também com sua vida normal, vai à escola e outras atividades regulares. É claro que o acolhedor tem consciência que irá cuidar durante um período e depois vai deixar a criança seguir em frente”, disse.

 

Como se tornar um acolhedor
Quem deseja acolher uma criança ou adolescente, precisa seguir alguns critérios. Um dos fatores mais importantes é não possuir interesse na adoção da criança ou adolescente. Além disso, deve-se ter disponibilidade de tempo, interesse na proteção da criança e do adolescente, integrar a faixa etária entre 21 a 65 anos, respeitando a diferença de idade de 16 anos entre a criança, o adolescente acolhido e o adulto acolhedor, deve haver concordância com todos os membros da família, residir no município, apresentar boas condições de saúde e não possuir antecedentes criminais. Não há restrição quando a sexo ou estado civil.


O processo começa com a documentação e avaliação psicossocial. Posterior a isso, tem-se uma capacitação para estar preparado em receber o acolhido, além de um acompanhamento por parte do município. Indiferente da condição econômica, a família acolhedora recebe a garantia de um subsídio durante o período do acolhimento para o cuidado da criança. O tempo de acolhimento é de acordo com cada caso e processo. O período pode ser de meses ou se necessário até que se resolva a situação familiar de origem. As famílias podem acolher mais de uma criança ou adolescente ao mesmo tempo, e também realizar o processo de acolhimento mais de uma vez.

 

Estado
Conforme explica Elenir, poucos municípios têm o serviço de Família Acolhedora. No Estado, talvez não se possa elencar 15 cidades. Um exemplo que inverteu o processo das instituições de acolhimento infantil é a cidade de Santo Ângelo. O município possui apenas uma casa de acolhimento e cerca de 40 famílias acolhedoras, sendo que quase todas as crianças ou adolescentes atualmente convivem com uma família voluntária. “Muitos municípios não contam com famílias acolhedoras nem projetos parecidos. Se tem diversas entidades e instituições de acolhimento, casas de acolhimento institucional, em que as crianças ficam nesses espaços, e que por melhor que sejam, por mais cuidado que se tenha, de certa forma limita em relação a uma das prioridades da lei do Estatuto da Criança e do Adolescente, que é proporcionar a criança e ao adolescente a convivência familiar e comunitária”, ressalta.

 

O Serviço de Acolhimento existe amparado em lei. A convivência familiar e comunitária enquanto direito de toda criança e adolescente encontra respaldo no Art. 19 da Lei n.º 8.086/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, que afirma que toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária.

 

Acolhendo Histórias
A experiência vivida pela família da Samanta Weber, que já realiza o terceiro acolhimento, é de puro aprendizado. Hoje, o casal recebe uma pré-adolescente de 12 anos, e uma bebê de 8 meses. “Com a moça não tivemos dificuldade na adaptação, foi fácil e rápido. Neste processo, não é só a família que acolhe, a criança também precisa ser receptiva como pais, como irmãos, eles se integram à família com muita facilidade. Já com a bebê nós temos um pouco mais de dificuldade na adaptação, pelos pais serem usuários de drogas. Mas tem sido importante para nós também a construção dessa relação. Nós adquirimos mais paciência, aprendemos a lidar com ela, ajudamos para que ela tenha mais tranquilidade, passe por esse período e seja mais fácil do que no início da vida dela, quando ela estava em uma situação de risco”, explica Samanta.A jovem está acolhida com a família há oito meses e a bebê há três meses.


A ideia de se tornar uma família acolhedora foi um processo que exigiu paciência e compreensão. Para Samanta, que já trabalhava como voluntária em orfanatos de São Paulo, a ideia pareceu mais receptiva no início. “Quando eu vim para Passo Fundo, eu procurei o serviço voluntário, mas aqui não havia essa possibilidade nas casas de acolhimento. Quando eu fiquei sabendo do programa eu já me interessei. Meu esposo ficou com um pouco de medo, principalmente porque depois temos que deixar a criança ir embora e poderia ser muito sofrido para nós e até mesmo para a criança. Foi um ano para ele compreender a importância do programa, e junto com a minha filha, que na época tinha cinco anos, se entendeu o propósito do acolhimento e então fomos nos cadastrar”, conta.


O primeiro acolhimento da família foi em fevereiro de 2016. Era um menino, que chegou na casa com um ano e quatro meses, e permaneceu por um ano e meio. A relação foi de amor imediato. “Assim que nós o vimos, nós nos apaixonamos por ele e foi muito fácil a adaptação, ele era uma criança muito doce, não tivemos problema nenhum. Em duas semanas era como se ele já morasse conosco a vida inteira e fizesse parte do nosso lar. Durante esse período a gente ia trabalhando a nossa mente para que no momento em que saísse a definição do juiz, de que ele iria para um lar substituto ou voltaria para a sua família, não fosse tão difícil. Mas nós realmente nos apegamos aquilo que podíamos fazer pela criança, o que eles podem aprender, o que nós podemos construir com eles para que quando tenha essa definição que eles possam ir bem, ir fortalecidos, que possam ter uma base familiar sólida e possam ter mais tranquilidade para voltar para um local”, ressalta Samanta.

 

Inicialmente, o acolhimento de pré-adolescentes não fazia parte do perfil da família, mas quando questionado a possibilidade de acolhimento de uma jovem, a família decidiu aceitar o desafio e construir uma forma de ajudar. “Foi bem interessante e melhor do que nós imaginávamos. Muitas pessoas também tem medo de acolher adolescentes, porque podem ser mais rebeldes, mais difíceis de se adaptar ou aceitar as regras, mas para nós foi surpreendente, foi algo que realmente mudou a nossa visão, até do acolhimento. Uma criança maior compreende a importância de estar inserida em um novo lar e estar tendo uma nova oportunidade. Para nós, ela é uma mocinha muito tranquila, que deseja ter uma vida melhor, sempre nos obedeceu com muito respeito, progrediu muito durante esses oito meses, principalmente nos estudos, na autoestima e no desejo de ter uma vida melhor. Ela voltou a ter sonhos e acreditar, começou a viver como ela já deveria estar vivendo sempre”, salienta Samanta.


A família realça que o processo é bem interessante e de muito aprendizado para ambas as partes “A gente aprende a ser melhores pessoas, melhores pais, a gente aprende a ter mais paciência, a desenvolver mais amor e realmente olhar para o próximo como nós devemos. Nós podemos sim modificar a vida dessas crianças, elas podem ter um futuro brilhante a partir do momento em que elas ganham amor, ganham afeto, que ganham forças para superar aquilo que elas passaram, elas ganham a oportunidade de ter um lar e com certeza, futuramente, elas vão criar uma ambiente saudável e com amor, porque vão se lembrar do que tiveram nesse período, até mesmo as crianças menores, que vão ter dentro delas essa convivência”, finaliza Samanta.

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