OPINIÃO

Longe de nós

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Ano terminando e as listas dos melhores filmes de 2019 começam a surgir, desde revistas especializadas até blogueiros e críticos independentes. É tempo, também, para finalizar as previsões do Oscar, já que só concorrem filmes que tenham estreado até 31 de dezembro. Há algumas certezas para nós aqui, sobre essa temporada de especulações e premiações. A primeira é de que os melhores filmes do ano não serão premiados no Oscar. Lembrando sempre, o Oscar é uma premiação da indústria americana que serve para alavancar os filmes produzidos por ela mesma. Filmes medíocres ganham sobrevida, filmes feitos para o prêmio lucram na bilheteria e atores da vez ganham os holofotes que vão fazer eles movimentarem milhões nos anos seguintes.
Para nós aqui, que recebemos nas salas de cinema apenas filmes pipoca, muitos de qualidade duvidosa, é a certeza de que filmes como “Amanda”, “Leave no Trace”, “Shoplifters”, “A Câmera de Claire”, “Ponto Cego” ou “Em Chamas” jamais serão vistos no cinema. E vão passar em branco no Oscar porque, ou são obras em língua não-inglesa, ou restritas ao circuito alternativo. Todas estão na maioria das listas dos melhores do ano. 

Não. O Oscar vai indicar “Pantera Negra”, um filme divertido, mas longe de ser uma maravilha. Vai indicar a cinebiografia de Freddie Mercury, “Bohemian Rhapsody”, uma típica biografia em sua estrutura e na covardia de  deixar de trabalhar temas polêmicos da vida do cantor para se restringir ao playlist dos grandes momentos da banda.  Vai indicar “Nasce uma Estrela”, bom filme também, mas que está longe de poder ser chamado de melhor filme de 2019.

A outra certeza é que os que forem indicados têm grande chance de passarem longe de nós também, porque nossa programação se restringe a fórmulas prontas de dinheiro. A menos que a Centerplex faça o que fez ano passado, de promover uma semana de exibição dos indicados, filmes como “A Favorita”, “If Beale Street Could Talk” ou “Vice” não terão lugar no circuito. Não faz muito tempo e filmes como “Vice” seriam exibidos, mas hoje o espaço de exibição é preenchido por “Bumblebee” ocupando todos os horários em várias salas. E não vamos nos enganar: o motivo é simples, as pessoas não vão assistir esses filmes no cinema. Não culpo mais os exibidores por tentarem garantir o retorno financeiro nos poucos filmes que ainda atraem público às salas. “INFILTRADO NA KLAN”, que deve estar na lista dos indicados, estreou há um mês no Brasil. Não acredito que venha mais aos nossos cinema. Em comparação com filmes recentes do diretor Spike Lee, responsável pela obra-prima “Faça a coisa certa” nos anos 80,  é um filme muito mais maduro, ainda que me incomode a forma como o filme trabalhe uma certa violência crescente gradual e sutil para, no final, meio que nos largar de mão mudando um pouco o tom. É um dos melhores e mais importantes filmes do ano, tem imagens poderosas e recursos de linguagem usados na medida certa para comentar a história do policial negro que enganou uma célula da Klu Klux Klan nos anos 70 e se tornou até líder do grupo racista em sua cidade. Passou longe de nós.

A terceira certeza é que pelo menos um dos melhores do ano está ao alcance. “Roma” é favorito para ganhar o Oscar de melhor filme estrangeiro, foi produzido pela Netflix, é dirigido pelo mesmo Alfonso Cuarón de “Filhos da Esperança” e “Gravidade” e está disponível na Netflix. Já angariou na mesma medida elogios efusivos por parte da crítica e, como não poderia deixar de ser, afastou muita gente pouco acostumada ao estilo do filme, uma visão de Cuarón sobre o México dos anos 70 através dos olhos de sua empregada, Cléo. Repleto de comentários sociais, críticas sutis e uma parte técnica admirável, é um filme de ritmo lento onde, para a maioria das pessoas, “nada acontece”. Para mim, é uma obra fabulosa. Vou comentar sobre ela na próxima coluna, mas fica o dado irônico de que estamos em um tempo em que os filmes do Oscar passam longe dos nossos cinemas, mas, veja só, podem estar disponíveis na TV.

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