OPINIÃO

Sobreviventes

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Ano entra-sai-entra (sem conotações sexuais) e quedamos a fazer balanço de nossas atividades. Quando observamos o mundo profissional compreendemos cada vez mais que somos apenas aquela sequência de onze números a que denominados CPF, em outras palavras, números facilmente substituíveis ou quase descartáveis. Em um momento somos o que somos (nas nossas imaginações somos eternos nas funções que exercemos) e em outro momento estamos de pijamas ou em qualquer banco de nossas praças tratando de reminiscências. Ao olharmos a vida social percebemos que nossos laços, na maioria das vezes, estreita-se ao ponto de ficarmos praticamente convivendo diuturnamente em âmbito familiar. As festas de grupos profissionais ou pessoais vão ficando sem graça; até as comemorações natalinas e de finais-de-ano ficam esmaecidas pela razão de que amigos ou entes queridos ficaram pelo caminho e suas ausências impactam fortemente em nós.


Tivemos um ano complicado tanto na economia do país que repercute em nossos lares quanto na política, ano em que as redes sociais venceram as mídias organizadas (jornais-revistas-rádios-TVs), ano em que institutos de pesquisa de intenções de votos restaram desmoralizados, ano em que a predominância das emissões de notícias estabeleceu-se como fakes. A rede social pode aproximar quanto pode escancarar limitações em aceitar posicionamentos alheios tanto na política quanto no futebol. É gente que não se conhece estabelecendo ofensas e agressões fortuitas.


Meu balanço pessoal é sobre o que conseguimos dispor aos caminhos pessoais e profissionais dos meus filhos, é sobre a amplitude que os livros que li positivaram em minha vida e, consequentemente, na vida das pessoas que me cercam. Terminei de ler, por exemplo, A Noite do Meu Bem (Ruy Castro), livro que li devagar, mansamente como quem faz uma refeição saborosa, como quem tem a graça de sorver um vinho de qualidade. Conta a vida artística entre os anos de 1945-1964, vida de boites, casas de shouws do Rio, vida e músicas dos grandes cantores-compositores-jornalistas num Brasil que queria se mostrar ao mundo como o gigante que é, num Brasil romântico que produziu geração de artistas que realmente impactaram pela qualidade, fato cada vez mais raro atualmente. À medida que o lia, parece-me que estava acompanhado de minha mãe. Então, eu a tinha por perto, outra vez. À medida que o lia não queria que acabasse e foi me dando sensação de saudade, saudade de época que não vivi...estranho, não? Li de tudo, li sobre MPB, espiritismo, sobre São Paulo de ontem, sobre os brasileiros que se destacaram em Paris entre os séculos XIX-XX, sobre a história do Brasil...


De qualquer maneira, ao atingir o final-do-ano, sou sobrevivente e se o sou deve ser porque o Criador acredita que há ainda possibilidade de ser algo que preste. É nesse sentido, o de acrescentar aos semelhantes que se justifica o prolongamento de nossas existências porque a outra alternativa, a do egoísmo-individualismo, escancara um inevitável encontro de nós mesmos com o espelho e a imagem refletida pode ser desalentadora.

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