“Vidro”, de M. Night Shyamalan está estreando em Passo Fundo, e uma coisa é quase certa: difícil haver meio termo em relação ao filme e à obra do diretor. Desde que lançou “O Sexto Sentido”, ele foi “amaldiçoado” com o próprio sucesso e o público passou a esperar sempre, em seus filmes, um grande plot twist. Plot twist são as mudanças bruscas, surpreendentes, repentinas de um roteiro, como a que tornou O Sexto Sentido famoso e fez muita gente rever o filme para tentar descobrir como ele conseguiu enganar o público tão bem. Os bons filmes resistem a um plot twist desse tamanho: se tornam dois filmes. Um quando é visto pela primeira vez, e outro quando é revisto. Bons filmes se transformam, nesse caso, em dois bons filmes, de certa forma.
A outra maldição de Shyamalan é o fato de que seus filmes costumam crescer com o tempo e com reavaliações. Seu cinema costuma ser construído em cima de uma ideia de cinema, e não necessariamente de se ater a pequenos preciosismos, que é o que muita gente busca e critica em um filme. “Sinais”, pra mim sua obra-prima, é um filme que até hoje é criticado por um “erro” de roteiro, o de ter alienígenas cujo ponto fraco é a água invadindo um planeta composto por 70% de água. O que os precisistas não conseguem ver, por não conseguirem olhar a obra de longe, é que tudo é pretexto para Shyamalan falar de coisas maiores. No caso de Sinais, seu debate se dá em torno da fé e de como ela pode influenciar no destino. Mas, acima disso, é um filme fabuloso em cinematografia, escolhas de enquadramento, construção de analogias, arcos de roteiro, rimas temáticas e visuais.
Outros dois filmes que foram crucificados no seu tempo e passaram a ser reavaliados foram “A Vila” e “A Dama na água”. O primeiro eu acho maravilhoso, fala sobre uma comunidade isolada e o poder do medo como elemento de segregação, entre outros temas. Já “A Dama na Água”, recentemente, começou a sofrer um fenômeno de reavaliação. É um filme que eu preciso rever. “Fim dos Tempos”, que eu sempre achei fraco, tem uma legião de fãs nessa nova cinefilia espalhada por blogs e novos sites de crítica e análise. Há as curvas fora do caminho que poucos defendem, como “O Último Mestre do ar” e “Depois da Terra”, mas quando voltou ao seu território, os roteiros próprios e o suspense, Shyamalan voltou a dialogar com seu público, em “A Visita” e “Fragmentado”.
Esse último revelou ser parte do mesmo universo daquele que para muitos é o grande filme e super-heróis moderno, “Corpo Fechado”, filme fabuloso que discute o heroísmo e suas consequências e reconstrói a iconografia do registro das histórias transformando as histórias em quadrinhos em uma espécie de registro do nosso tempo e nossa forma de pensar. “Vidro” é a terceira parte dessa trilogia. Se o primeiro filme fala sobre um homem que não pode ser ferido (o inquebrável do título original) e o segundo fala de um homem cuja mente hospeda 24 diferentes personalidades, inclusive uma animalesca (o “dividido” do título original, bem traduzido por “Fragmentado”) nessa terceira parte o foco recai sobre o senhor Vidro do primeiro filme, o vilão frágil fisicamente, mas dotado de uma das mentes mais brilhantes do mundo. Aquela parcela da crítica e do público acostumado a olhar para os detalhes fechados do filme estão criticando pesado a obra. Já a crítica que costuma olhar para a lógica do cinema de Shyamalan no sentido amplo, de formação de uma ideia de cinema e de mundo, estão adorando a obra. Não gosto de criar expectativas, mas estou entre os que vêem o cinema de Shyamalan como um dos poucos com um discurso realmente único e lógico dentro de uma filmografia, a contar entre todos os diretores em atividade hoje. Sou fã de Shy e, se o filme pelo menos dialogar com seus dois filmes anteriores, que eu gosto muito, já terá sido um fim digno para a trilogia.