OPINIÃO

Felizes: duas sabedorias em confronto

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No caminho dos desejos humanos a felicidade é sempre desejada, pois apresenta-se como uma necessidade. O sentir-se satisfeito nos acompanha desde o primeiro momento da vida e somente se extingue com a morte. Ela é o motor da existência e pela felicidade se tem disposição de fazer tudo para alcançá-la. Se clara e comum é a meta, os meios para ser feliz não são evidentes: uns propõe a abundância dos bens, outros o sucesso, o poder, o prazer, o empenho social, a religião, enfim um colorido mosaico de possibilidades. Também não é dito que todos os meios e propostas conduzem à meta, por isso são verificadas e validadas. A vida diária se movimenta nesta busca, marcada pelo encantamento e a desilusão.


Uma das páginas mais provocativas do Evangelho é o ensinamento de Jesus sobre as “bem-aventuranças”, outras vezes traduzidas por “felizes”, que a liturgia católica reflete neste domingo. No Novo Testamento o tema volta cinquenta vezes, sendo que treze em Mateus e quinze em Lucas. Mateus apresenta oito no “sermão sobre a montanha” (Mt 5, 1-12) e Lucas as situa na “planície” apresentando quatro delas seguidas de quatro “ais” (Lc 6, 20-26).


A forma como são apresentadas é de felicitações. São substancialmente originais e seu conteúdo goza de uma novidade absoluta e sem precedentes. Jesus declara: “Felizes vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus. Felizes vós, que tendes fome, porque sereis saciados. Felizes vós, que agora chorais, porque haveis de rir. Felizes sereis quando os homens vos odiarem, quando vos rejeitarem (...) por causa do Filho do Homem” (Lc 6,20-22). São felicitações que descontroem e provocam a mentalidade comum. Propõem um caminho totalmente inusitado, talvez até irracional.


As bem-aventuranças traçam um programa de vida cristã. Jesus garante que a felicidade está acessível a todos na medida em que houver ligação com ele. Estabelece-se um confronto entre o hoje e o amanhã, entre um modo de vida comum e um modo original proposto por Jesus. Acolher seu ensinamento significa mudar de mentalidade e desenhar um novo projeto de vida. Identificar-se com Ele pois foi este seu modo de falar, de agir e de ser.


Se Jesus pretendia motivar seguidores, o conteúdo da mensagem surpreende, pois, à primeira vista, parece ser absurdo. Mas se o confrontarmos com a vida concreta, percebemos que isso é bem realístico do cotidiano. Constitui-se de um sadio realismo que orienta a tomada de decisões sábias e verdadeiras. Jesus relativiza e questiona a confiança absoluta nas riquezas como sinônimo de felicidade. São bens finitos, mesmo que multiplicados ao infinito, sempre permanecerão finitos. Nos ensinamentos de Cristo eles sempre deverão ser tratados como meios. As outras bem-aventuranças – os que têm fome, os que choram, os que são perseguidos por causa de Cristo – envolvem todas as pessoas.


As bem-aventuranças ou as felicitações propostas por Jesus sempre serão provocativas e contrastantes. São duas escalas de valores, talvez melhor, duas sabedorias: a sabedoria do mundo e a sabedoria do Evangelho. É a carta magna da sabedoria de Jesus e a proposta da construção da comunidade cristã na qual se vive esta sabedoria para alcançar a felicidade. Uma frase memorável de Dom Helder Câmara: “Feliz de quem atravessa a vida inteira tendo mil razões para viver”.

 

Dom Rodolfo Luís Weber
Arcebispo de Passo Fundo 

 

 

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