Carnavalescas lamentam ausência das escolas na avenida

Há quatro anos sem carnaval de rua em Passo Fundo, integrantes da Academia de Samba Cohab I migram para Cruz Alta

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Carnavalesca da Academia Cohab I, Neca Ribeiro:Carnavalesca da Academia Cohab I, Neca Ribeiro:
Carnavalesca da Academia Cohab I, Neca Ribeiro:
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Campeã do último carnaval de rua realizado em Passo Fundo, em 2015, a Academia de Samba Cohab I, ainda sente os reflexos do cancelamento do desfile no ano seguinte. Com o enredo praticamente pronto e contando com os recursos do governo municipal para pagar as despesas, as dívidas se acumularam, em torno de R$ 40 mil, e ainda não foram totalmente quitadas três anos depois. 

 

Carnavalesca e esposa do ex-presidente da entidade, Neca Ribeiro deixa transparecer um sentimento de tristeza ainda maior, ao falar da falta que sente do carnaval de rua. Em anos anteriores, nos meses de janeiro e fevereiro, ela transformava a casa num verdadeiro barracão da escola. Era quase impossível entrar nos cômodos abarrotados de fantasias e alegorias. Na quarta-feira à tarde, quando a reportagem visitou a residência dela, tudo que havia era um amontoado de fantasias de outros carnavais no pátio, aguardando a remoção, e uma pequena parte armazenada em um dos quartos.


"Estamos sentindo um vazio enorme. Este ano não houve movimentação alguma. Em 2015 tivemos aquela estrutura toda. As escolas evoluíram, investiram na qualidade das fantasias, trouxemos reforço de fora. Parecia que finalmente o carnaval de Passo Fundo teria o reconhecimento merecido, mas fomos esquecidos. Em 2016 estávamos com o enredo e, na última hora, decidiram que não haveria desfile. Estamos até hoje pagando as despesas", lamenta.


Para matar a saudade da avenida, Neca diz que a alternativa é participar de desfiles em outras cidades. Um ônibus lotado, com integrantes da Academia, viaja para Cruz Alta, no dia 28 de março. Eles reforçam a escola de samba Gaviões da Ferro. A família ainda tem outro motivo especial para participar do carnaval em Cruz Alta. A filha, Kamilly Ribeiro é a 2ª Princesa do Carnaval intermunicipal. "Dá gosto ver a organização do carnaval de lá, enquanto aqui, uma cidade bem maior, não consegue realizar um desfile há quatro anos", lamenta.


"O som do tambor corre em minhas veias"
Maria da Graça Silveira dos Santos tinha 40 anos quando trocou Júlio de Castilhos, sua cidade natal, por Passo Fundo, para se transformar numa das figuras mais tradicionais do carnaval de rua. Conhecida pelo modo franco como costuma emitir suas opiniões, a filha de Iansã, (orixá dos ventos na religão de descendência afro), se mostra inconformada com o fim dos desfiles e diz que uma de suas maiores emoções no carnaval, é ver os jovens da periferia envolvidos na preparação do enredo e na avenida durante o desfile. "Carnaval é a inclusão dessas pessoas, que não aparecem em lugar algum. Levar essa gurizada para a avenida é minha maior alegria", revela.


Os primeiros passos de Maria da Graça em Passo Fundo foram defendendo a Mocidade Independente. Desse período, lembra dos títulos conquistados e dos sambas-enredo que compôs. "O sol clareia, clareia, deixa clarear, a mente das pessoas e a força dos orixás", cantarola, buscando os versos na memória. "É assim, os versos vêm vindo, depois que surge o refrão, vai embora", conta.


De tantas emoções vividas nesse período, ela guarda uma em especial, tendo o mestre Cavalheiro (falecido em 2016), como protagonista. "A escola vinha pela avenida Brasil, quando chegou na esquina com a General Neto, um dos ritmistas atravessou (errou o ritmo). Cavalheiro deu o sinal com o apito, e todos se ajoelharam. Apenas um surdo ficou ficou na marcação. Em seguida, a bateria voltou com toda força. Arrepio ao lembrar dessa cena", recorda.


Apesar do carinho pela Mocidade, a carnavalesca fez história no comando da União da Vila por 14 anos. Nas cores azul, branco, vermelho e amarelo, e tendo a pantera como símbolo, a União possui sede própria. Em 2014, os integrantes viveram o drama do rebaixamento por problemas técnicos. Em razão da forte chuva na noite do desfile, os carros alegóricos da escola tiveram problema no deslocamento da General Osório até a Sete de Setembro. "Entramos na avenida com um carro a menos previsto no regulamento e fomos rebaixados. Sentamos no cordão da calçada e choramos muito por ver o trabalho todo perdido", recorda.


Vice-presidente da Liga Independente das Escolas de Samba de Passo Fundo, Maria da Graça não se conforma com o fim dos desfiles de rua. Enquanto fala, mostra uma pasta com uma série de documentos e projetos que não saíram do papel. " Tentamos de todas as formas, mas não foi possível, não recebemos apoio da prefeitura. Nas redes sociais, vejo as pessoas comentando e parabenizando o cancelamento do desfile para investir na educação. Mal sabem que cada secretaria tem seu orçamento e recursos próprios. Há desinformação e um preconceito muito grande. O carnaval é uma festa popular, do povo, é inclusão. O som do tambor corre em minhas veias".

 

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