Imagine a violência como uma árvore: as raízes são as causas, o tronco é que sustenta e os frutos são as consequências. A metáfora foi utilizada pela professora da UPF, Patricia Ketzer, para estimular o debate sobre sentimentos e fatores sociais que envolvem a violência doméstica contra a mulher. A conversa foi promovida na tarde de ontem (6) pela Cáritas Diocesana de Passo Fundo e integra uma série de atividades, organizadas por diversos coletivos e movimentos sociais do município, em alusão à semana da mulher.
A dinâmica foi realizada com um grupo de mulheres do Acampamento Terra e Vida do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). No exercício da árvore, as mulheres foram separadas em grupos menores e citaram o que elas acreditavam serem as causas, consequências e o que sustentava a violência doméstica. Em cartazes, elas escreveram sobre machismo, opressão, sentimento de posse, baixa autoestima, preconceito, desrespeito, entre outros. As características foram utilizadas por Patrícia, que é doutora em Filosofia e coordenadora de um projeto de extensão de economia solidária, para falar sobre práticas que são ensinadas às mulheres e que, muitas vezes inconscientemente, perpetuam atos de opressão e ciclos de violência doméstica.
Em seguida, elas trouxeram exemplos do cotidiano e de situações vivenciadas que as faziam sentir desvalorizadas ou oprimidas. Tanto nas causas como nas consequências, o grupo chegou ao consenso de que a violência, nas mais diversas formas, é estimulada pela cultura que estabelece papéis para mulheres e homens e que a mudança passa, em grande parte, pela maneira como as crianças são educadas.
A dinâmica é uma forma interessante de trabalhar porque ajuda a entender como funciona o pensamento das mulheres em relação à violência. “Ela vem de um processo formativo do Projeto de Alternativas à Violência (PAV) e trabalha na lógica de perceber o que causa a violência e quais são as consequências. Porque isso serve para a gente desconstruir uma série de coisas. Certa vez eu ouvi de um grupo que o amor poderia ser o causador da violência, por exemplo. Aí a gente tem a oportunidade de desconstruir essa noção de amor. A partir do que surge nessa dinâmica a gente pode conversar sobre violência e sobre as concepções que as pessoas trazem projetadas nelas”, explica a professora.
Logo após o debate, as mulheres participaram de uma oficina de colares. Outras atividades estão agendadas para ocorrer no decorrer da semana até o 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Hoje, a Caritas promove uma oficina de chás, às 14h. Na sexta, fará uma roda de conversa com o tema “Ser mulher”. Em paralelo, as Promotoras Legais Populares (PLPs) farão atos de conscientização. Hoje (7) elas promovem atividades na Escola Monteiro Lobato. Amanhã (8), farão panfletagem em paradas de ônibus e rodas de conversa na Praça do Teixeirinha.
Um grupo formado por coletivos feministas, LGBTs e representantes de diversos movimentos sociais e sindicais, promove ato de manifestação contra a violência e o feminicídio no fim da tarde de amanhã. Marcado para ocorrer em todo o país, o 8M - Marcha das Mulheres, inicia às 17h30 em Passo Fundo, com concentração na Praça do Teixeirinha.
Diálogo com a comunidade
Espaços de debate como o de ontem, entre profissionais da universidade e grupos socialmente vulneráveis, são importantes porque essas noções de violência, muitas vezes, não chegam às mulheres, mesmo elas sofrendo atos de agressão e assédios, conforme Patrícia. “É primordial que a gente possa dialogar com essas pessoas que muitas vezes vão estar à margem da sociedade. É importante também ter essa possibilidade de fortalecer os vínculos, de formar grupos em que as mulheres possam contar umas com as outras”, pontua.
Projeto de extensão
O Espaço Solidário, projeto coordenado por Patrícia, é uma proposta de economia alternativa, não vinculada à economia capitalista. Ela não visa simplesmente o lucro, mas sim a manutenção das famílias e das populações de uma forma sustentável, conforme a doutora em Filosofia. “A gente também trabalha na lógica da equidade de gênero, porque percebemos que a maior parte das pessoas engajadas com projetos da economia solidária são mulheres. A gente tem trabalhado nessa perspectiva: de ser uma maneira da mulher se empoderar e recuperar a autoestima. Dela sair de casa e fazer algo produtivo e que não seja na lógica do subemprego. Porque cada vez mais as mulheres de classes populares estão destinadas ao subemprego”, explica.