Julio de Lima, de 40 anos, tomava um café na cozinha da Associação dos Cegos de Passo Fundo (Apace) na tarde de terça-feira (13), quando foi impelido pela namorada a perguntar ao presidente da entidade, Fabio Flores, de 39 anos, sobre a reunião que fariam no final do dia. Sábado haviam vendido cachorros-quentes para levantar fundos à instituição que sobrevive a duras penas e sabia que era preciso ordem agora. Afastou a cadeira e caminhou menos de 15 passos até à secretaria, onde encontrou Flores conversando com dois homens à porta da instituição, que estava entreaberta.
Lima encostou-se em um dos lados. Flores estava do outro. Com apenas 5% de visão no olho esquerdo, Lima pode perceber que usavam capuzes, nas cores azul e vermelho, e mantinham os rostos abaixados. Eles procuravam serviço de saúde e Flores insistia que aquela era uma associação, mas que poderiam ajudá-los se mostrassem algum documento com o endereço que procuravam. Foram cerca de 15 minutos de um diálogo vão, rompido pelo pedido de água de um dos homens que, tão logo bebeu, anunciou o assalto a Flores e Lima dando-lhes uma cabeçada.
Sem muito refletir, Flores, que perdera a visão dos dois olhos há 22 anos, reagiu, atacando um dos homens a quem não via. Anos atrás um dos presidentes da associação foi atingido por um disparo de arma de fogo enquanto a associação era roubada. Mas ao atual presidente ocorria o medo de perder o conquistado pela entidade. Do lado de dentro, cerca de 15 pessoas faziam atividades. De adultos em aulas de violão a bebês em atividades de estimulação precoce.
Lima, percebendo que Flores partira para confronto corporal, somou-se à briga, conseguindo juntos colocar os dois homens para fora, que fugiram em um gol branco e rebaixado, onde estava um terceiro jovem.
Imediatamente acionaram a Brigada Militar que capturou o trio após denuncias do mesmo carro ter sido visto no bairro Integração em alta velocidade e fazendo manobras perigosas. O gol foi abandonado em um matagal, mas os três foram encontrados dentro de um barraco no bairro.
“Precisamos de segurança”
Ontem, Lima caminhava pela associação e lembrava do ocorrido. “Eles acharam que seria um assalto fácil porque somos cegos”, ponderou, reconhecendo ter agido por impulso e pelo desejo de proteger Flores. “Ele é completamente cego e foi pra cima de um deles. A única coisa que pensei em fazer foi lutar junto.” A associação tinha no momento do assalto cerca de R$ 6 mil arrecadados com a venda do cachorro quente guardados dentro do prédio.
Flores, é um dos fundadores da entidade que este ano completa 20 anos de funcionamento em Passo Fundo, disse que também agiu por impulso para resguardar o que conquistaram em luta. “A gente batalha tanto na instituição. É tão difícil manter ela funcionando pela falta de recursos. Estamos mantendo ela com recursos próprios e aí vem alguém querer assaltar a gente. Nem pensamos se poderiam estar armados. Quando terminaram de falar ‘vão entrando é um assalto’, eu me grudei em um e o Julio foi atrás”, aponta Flores.
Hoje a entidade tem 190 pessoas cadastradas, sendo que a frequência de usuários vai de 80 a 100 pessoas no espaço – uma singela casa verde na esquina das ruas Andradas com a Moron.
Após a tentativa de assalto, o presidente reconhece que será necessário fazer algo. “Mas não sei como”, desabafa.
Com recursos escassos para manter o prédio, funcionários e atender a demanda de usuários, o local segue sem um segurança ou câmera com sistema videomonitoramento.
Para Flores será preciso pensar em estratégias a fim de que possam continuar com as atividades sem conviver com o medo de sempre começar do zero. “A insegurança está cada vez maior e a gente quer saber por que somos assaltados assim. É por que somos cegos? Então teremos que pensar em algo. Sem recursos para investir, vamos precisar de apoio.”