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12 de março de 1970, quinta. Minha família aportou à rua Coronel Sampaio 347, Vera Cruz, em frente ao cemitério, vinda de Cruz Alta. Cidade nova, na casa do Pai há muitas moradas (dizia minha mãe), tantas novidades. Enquanto do caminhão descia o humilde mobiliário da família Salles Anunciação, devorávamos fatias de um salame comprado no armazém do Lúcio. Avenida Rio Grande, larga com coqueiros altos e esbeltos que permanecem até hoje. Depois, Cenav, novos amigos e muitas descobertas. Passo Fundo: dois times na primeira divisão do gauchão; muitos CTGs, incluindo o Sinuelo da Fé (Pe.n Benjamin), três emissoras de rádio; universidade e uma santa (Maria Elisabete). Também tinha meia-dúzia de prédios com mais de quatro andares.


Imprensa nos mesmos passos de Mauricio Sirostky; Meirelles, irmãos Freitag, Jarbas, Duarzan, Rafi, Belém; Guaraci e José Ernani; Mucio, Vieda e Diógenes. De repente, futebol; de repente Machado, Vacaria, Santarém. De repente: Carlos Alberto, os irmãos Pontes, Luis Carlos, Raul, Luis Freire, Bebeto. De repente, paixão. Meu Guarani, de Nilo Ceretta, Banana e Prinche ficara na saudade, como também meus times de botão com todos de São Paulo e Rio, escalações que guardo quase de cor. 1970, noventa milhões em ação...


1970, Silvio Santos na Globo, domingo dia inteiro; Antonio Marcos-Vanusa, Nilton Cesar, Carmen Silva e Moacir Franco. Novelas: Véu de Noiva e Nino, o Italianinho. No rádio era Antonio Maria, de Geraldo Vietri e Redenção (a novela mais longa da história, 596 capítulos). Zorro, João Juca Jr (Plinio Marcos), Beto Rockfeller. Dias Gomes -Ivani Ribeiro, sucediam Gloria Magadan. Agora era Som Livre criada por João Araújo (pai de Cazuza) para comercializar as trilhas sonoras das novelas da Globo.


Boite da Ladeira, Kako e Bicão; Restaurante Maracanã, Cantina do Gageiro, Napoli, Jeremias, Lago, Scandolara, Oásis. Músicas estrangeiras? As francesas, é claro. Namoradas, sim. Sonhávamos com seus olhares; quem sabe uma reunião dançante nua garagem qualquer? quem sabe pegar na mão, quem sabe beijar discretamente? Quem sabe descolar uma grana para comprar xampu? Quem sabe outra grana para comprar um ursinho de pelúcia para a amada? Quem sabe Pepsi, muita Pepsi com cachaça – onde o nosso dinheiro alcançava? Quem sabe alguém oferecia uma música prá gente no programa do Dino Rosa? Cinemas, jogar boliche, ir à missa das 9 na catedral, jogar bola na chuva, ouvir Sergio Jockymann, Lauro Quadros e Ruy Carlos Ostermann, na Guaíba. Era o que tínhamos, era o que podíamos, era o que era preciso para ser feliz.


Minha mãe tinha razão: na casa do Pai tem muitas moradas. Por isso mesmo decidiram morar em Passo Fundo até a eternidade, essa era a morada. Como agradecer por tudo trilhado e conquistado? Não é melancolia ou saudosismo; é um retrato discreto de há 49 anos.


Hoje o mundo é virtual, feito de fakes, letra F - meias-verdades, meias-mentiras. Fake...palavra da moda; há 49 anos era F...comme femme (Salvatore Adamo); há 49 anos não havia fakes, havia outros Fs...futrica, futebol, fuzarca, folia...família...fé. Fazer o quê? Faz parte.

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