Atrás da parada de ônibus na altura do número 743 da Avenida Brasil, cinco mulheres em uma pequena sala acessada após dois lances de degraus e duas portas no prédio do Campus 3 da Universidade de Passo Fundo (UPF) trabalham para garantir que outras mulheres vítimas de violência doméstica e de gênero tenham amparo legal mesmo em carência. Elas fazem parte de um programa nascido em 2004, antes mesmo da Lei Maria da Penha, chamado Projur Mulher, que este ano completa 15 anos e está debruçado sobre 100 processos judiciais em andamento.
Josiane Petry Faria, doutora em Direito que coordena o Projeto, é uma mulher de fala mansa e ideias firmes. Entrou no Projur no ano de 2010 e ao mesmo tempo em que se abala pelos sucessivos casos que não cessam, entende a necessidade da continuidade do trabalho pelos mesmos sucessivos casos que não cessam.
“Tem momentos que desanima”, pontua, apoiada em sua mesa que está de frente para um mural com agenda de audiências e um lenço do movimento feministas. “Porque fazemos todo esse trabalho e as estatísticas não diminuem. Vemos homens falando absurdos. Vemos notícias de crimes horríveis. Mas em outros dias parece que dá mais ânimo. Só que estamos lutando contra séculos e séculos de patriarcado. Então quinze anos é pouco, mas é muito.”
Dentre as histórias de mulheres que já passaram pelo Projur, acompanhadas por anos devido à morosidade da Justiça, ela pinça aquelas que exemplificam a finalidade do programa. Sem citar os nomes ou os anos em que as vítimas buscaram o auxílio, recorda-se de mulheres abatidas pela violência sofrida, não apenas física, mas também psicológica e moral, recuperando a autoestima e tornando-se donas de si.
Isso porque além do auxílio jurídico, parecerias com o Projur ajudam as mulheres a sanar as marcas da violência que as impediam de ter autonomia sobre suas vidas. Em uma das histórias, Josiane se lembra da vítima voltando ao mercado de trabalho, buscando um novo emprego, alcançando até promoção. “Ela veio encaminhada de um município do Paraná, ferida, debilitada. Aqui ela foi acolhida pela família. Se reestruturou e voltou até a estudar”, conta.
A inserção no mercado de trabalho é frisada pela coordenadora do programa como um dos elementos que mais auxiliam as vítimas de violência.
Como muitas das mulheres são dependentes financeiramente do agressor, a impossibilidade de se manter após uma separação se torna um temor.
Não a toa, Josiane cita que em 25% das audiências com a participação do Projur a vítima não comparece ou desiste da representação criminal. As que não comparecem, ou não são mais localizadas, o que abre um leque de dúvidas sobre o paradeiro da mulher (se ficou presa em casa, mudou de cidade ou foi assassinada), ou realizam a conciliação – aonde pode pesar o fator socioeconômico. As que desistem apontam o descrédito na proteção oferecida pela Lei, às vezes pelo descumprimento da Medida Protetiva pelo agressor que não é preso, demora na designação da audiência, ausência de provas que atestem a realidade da violência, e também a reconciliação.
“Quando você caminha pela cidade percebe cercas elétricas, grades... o que pressupõe que a o perigo está fora, é externo. Mas no caso da mulher, o maior perigo está dentro da própria casa. E isso é um grande inimigo da mulher (...) Se uma descarga é puxada em dois apartamento acima do seu, todos escutam, mas quando a mulher sofre a violência é um ‘ninguém viu, ninguém sabe’. E aí se tem dificuldade de provar”, aponta Josiane.
Para ela, é necessário se debater mais sobre a violência contra a mulher, além de se pensar políticas públicas por meio de leis que permitam a elas recomeçarem após a denúncia. A celeridade no judiciário é outro fator chave somado com o apoio da comunidade em combater esses tipos de casos.
Josiane frisa assim a luta continua e reconhece o trabalho prestado pelo Projur. Só ano passado, por exemplo, 2,3 mil pessoas foram atendidas de forma indireta pelo programa – por meio de palestras e oficinas.
O serviço ainda está aberto para parceiros que querem oferecer atividades que ajudem no empoderamento das mulheres vítimas. Esse esforço conjunto pode ser um mote para, mesmo diante de uma Passo Fundo que é a quinta cidade mais violenta do estado para mulheres, ajudar as vítimas a recomeçarem.
Projur
O Projur nasceu no ano de 2004 de uma parceria da faculdade de direito da Universidade de Passo Fundo (UPF), cáritas diocesana, Delegacia da Mulher e prefeitura. Junto com o Projur Mulher, também foi criado o projeto Projur Mulher Cidadã, em que o primeiro se destinava ao acompanhamento jurídico processual das mulheres que passavam pela Casa de Acolhimento mantida pela prefeitura e o segundo trabalhava com conscientização e informação à respeito de direitos humanos junto aos 39 grupos de mulheres da cáritas diocesana.
Em 2010, o projeto incorporou o Projur Mulher Cidadã, tornando-se apenas um grande projeto que passou a atuar na prevenção à violência por meio de oficinas, palestras, rodas de conversa e outras atividades na comunidade de Passo Fundo. Nesse mesmo período ampliou o atendimento para toda e qualquer mulher em situação de violência na cidade.
No ano de 2017 o projeto, mais uma vez, amplia atividades para incorporar as demandas relativas à diversidade sexual e nesse sentido passou a atuar também com prevenção à violência, informação e conscientização a respeito de orientação sexual e identidade e expressão de gênero, mantendo o acompanhamento jurídico processual.
No decorrer desse período milhares de pessoas foram atendidas direta e indiretamente pelo projeto que em 2018 se tornou programa de extensão abrindo unidades também e Sarandi e Soledade.