João Henrique Groth precisou buscar água em galões, de cinco litros, quatro vezes só na manhã de ontem (21). O ritual, de ir até um mato próximo, onde há uma “bica”, vem se repetindo desde o início da semana, quando o abastecimento, que é irregular, foi interrompido nas ocupações Bela Vista e Vista Alegre, ambas localizadas no bairro Petrópolis. Nesta sexta (22), dia em que é celebrado o Dia Mundial da Água, completa cinco dias que 250 famílias estão sem acesso ao recurso hídrico neste local.
De acordo com o líder comunitário, Moisés da Cruz Forgiarini, as ocupações tiveram o abastecimento interrompido depois que funcionários da Prefeitura estiveram no local para realizar obras de asfaltamento e retiraram os canos. Sem previsão de conserto e sem saber direito a quem recorrer para solucionar o problema, cada família se organiza como pode.
Na casa de Groth, a pilha de roupas sujas não cabe mais no cesto. Faz uma semana que eles não conseguem lava-las. Ele e a esposa, Pamela Petry D’Avila, têm três filhos. Uma delas, de 15 anos, é cadeirante e precisa de cuidados especiais. Ela usa fraldas para dormir e, por conta disso, os lençóis precisam ser trocados com frequência. O mais novo, tem 12 dias de vida. Sem água para lavar as roupas, e sem conseguir tomar banho direito, Pamela cogita até em não mandar mais a filha para a APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) até resolver a situação.
A água não é o único direito cuja essas famílias não têm acesso. Elas lutam pela moradia. A família Groth mora na ocupação Bela Vista há dois meses. O que os levou para lá foram dificuldades financeiras para pagar o aluguel. “Ou a gente pagava o aluguel, ou a gente comia”, resume Pamela. Com João desempregado, a única fonte de renda deles é oriunda de um benefício (BPC) pago pelo governo a famílias cujo algum dos membros é uma pessoa com deficiência. O valor da assistência é de um salário mínimo.
Como moram sobre uma área que é objeto de discussão na Justiça, onde tramita uma ação de reintegração de posse, dizem não poder solicitar um ponto de água porque a Companhia Rio Grandense de Saneamento (Corsan) não instala.
Conforme o líder comunitário, eles também têm receio em reclamar ou pedir ajuda em órgãos públicos ou redes sociais por sofrer retaliações ou serem julgados. A instalação de água anterior era irregular. Conforme Moisés da Cruz, não é possível consertar ou fazer outra instalação. “A única solução é a Corsan vir aqui e colocar um ponto de água”, enfatiza. Enquanto a situação não é regularizada, essas 250 famílias têm de conviver diariamente com o drama que é viver sem acesso ao direito mais básico do ser humano: á agua.
Corsan
De acordo com o superintendente regional da Corsan, Aldomir Santi, a companhia não tem autorização para fazer a ligação da água em áreas ocupadas ou irregulares. Sem a regularização, a única possibilidade de fornecer o recurso é com autorização da Prefeitura. Santi informa que a cobertura de água é de 97,8% das casas em Passo Fundo. Essa parcela que fica de fora são justamente de moradias que estão em terrenos ocupados ou irregulares.
Prefeitura
Citada na reportagem, a prefeitura diz que há obras de asfalto sendo realizadas no local. Quanto à situação da água, informou que somente a Corsan pode responder pela situação.
ONU: água não chega para 2 bi de pessoas no mundo
O acesso à água e ao saneamento é reconhecido internacionalmente como um direito humano. Ainda assim, mais de 2 bilhões de pessoas não dispõem dos serviços mais básicos. Lançado nesta semana, o último Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos explora os sinais de exclusão e investiga formas de superar as desigualdades.
Em 2015, três entre dez pessoas (2,1 bilhões) não tinham acesso à água potável segura, e 4,5 bilhões de pessoas, ou seis entre dez, não tinham instalações sanitárias geridas de forma segura. O mundo ainda está fora do caminho para alcançar esse importante objetivo.
“As populações pobres e marginalizadas serão afetadas de forma desproporcional, aumentando ainda mais as desigualdades crescentes. O relatório de 2019 fornece evidências da necessidade de se adaptar as abordagens, tanto nas políticas quanto na prática, para tratar das causas da exclusão e da desigualdade”, concluiu Gilbert F. Houngbo, diretor da ONU Água e presidente do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA).