Nas gôndolas das tendas que são armadas ao ar livre, o olhar atento e as mãos hábeis dos consumidores escolhem o melhor produto que vem do campo e abastece, toda semana, cinco feiras ecológicas em Passo Fundo.
A preferência pelos alimentos cultivados sem adição de agrotóxicos, no entanto, não tem aumentado somente entre os passo-fundenses. Segundo dados divulgados pelo Conselho Brasileiro de Produção Orgânica e Sustentável (Organis), cerca de 15% da população urbana brasileira consome produtos provenientes da agricultura familiar. A Região Sul ultrapassa o dobro da média nacional na procura por verduras, frutas e legumes produzidas em pequenas e médias propriedades.
Em Passo Fundo, a Cooperativa Mista de Trabalho Alternativa (Coonalter) faz coro às estatísticas ao promover, há 22 anos, Feiras Ecológicas e Sustentáveis. Semanalmente, a entidade articula o trabalho do campo aos moradores da cidade em cinco feiras orgânicas, espalhadas por diversos pontos do município, como as Praças da Mãe Preta, Irmã Maria Catarina e Antonio Xavier. “São 50 famílias que produzem os alimentos e expõem nas bancas. Todas elas têm produções específicas que são colhidas na sexta-feira e disponibilizadas no sábado”, esclarece a presidente da Coonalter, Maristela Finatto Ferro.
Esses alimentos já são antigos frequentadores do prato e conhecidos pelo paladar da estudante de Nutrição, Claiti Cortes. Estabelecer uma relação saudável e ética com a alimentação foi o que a motivou a optar pela substituição dos cultivos, priorizando os produtos orgânicos encontrados nos expositores. “Sabemos da existência de diversos estudos que apontam os possíveis riscos de agrotóxicos e temos noção do quanto de energia é mal gasta na produção dos alimentos ‘convencionais’ para que ele floresça, cresça e amadureça fora de época, depois com transporte e armazenamento”, justifica. Vegana, ela incentiva a adoção de hábitos alimentares provenientes da agroecologia e compartilha em sua conta nas redes sociais, quase que diariamente, receitas com ingredientes sem origem animal. “Temos total noção de que nosso poder de compra nos dá a chance de votar no tipo de agricultura e produtos que queremos ver mais no mundo” acredita.
As idas semanais que ela fazia às feiras já tradicionais no município, como as promovidas pela Coonalter e a Feira do Pequeno Produtor, agregaram mais um nicho alimentício alternativo na cidade. Idealizadora da Feira Vegana, Claiti conta querer criar um ambiente não apenas voltado ao comércio, mas também à informação e empoderamento. “Buscamos ter palestras em todas as feiras para que o foco não seja apenas consumir, mas saber por que consumir aquele tipo de produto e como fazer escolhas alimentares melhores”, explica.
O agro que conecta é o mesmo que sustenta
A variedade de texturas, aromas e sabores experimentados por Claiti e pelas centenas de pessoas que circulam pelos cinco espaços dedicados à agricultura familiar, no entanto, começa a 78km de distância dos pontos centrais de Passo Fundo, em propriedades rurais como a da família Cé. O manejo do solo e o plantio de hortifrutigranjeiros é feito de maneira sustentável pelos membros do núcleo familiar de São Domingos do Sul, que se deslocam para expor nas feiras ecológicas de Passo Fundo os itens cultivados. Toda semana, cerca de 1.5 mil quilos são colhidos para serem comercializados na cidade, como revela o produtor rural Fernando Cé. “Produzimos orgânicos para oferecer produtos sem agroquímicos aos consumidores também como uma maneira de agradecer a natureza pelo alimento gerado, possibilitando uma qualidade de vida melhor e sem agredir o meio ambiente”, salienta.
Aos sábados, a força do campo se conecta ainda mais à cidade sob as tendas presentes nas Praças da Mãe Preta e Antônio Xavier, onde agricultores, como ele, disponibilizam alimentos nutritivos e geram renda familiar a partir da agroecologia. “A sobrevivência da nossa família é exclusiva do comércio nas feiras, por isso buscamos agregar valor em alimentos de qualidade”, certifica Fernando.
Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, são mais de 17 mil registros de entidades produtoras de orgânicos no país, das quais cerca de 70% dos produtores são de agricultura familiar. O último censo do setor, apresentado em 2006, mostra que essa modalidade de produção rural participa de 30% da produção agrícola do país, movimentando cifras que giram em torno de 12 bilhões de reais, segundo a pasta.
Conhecimentos que se ligam
Quinzenal ou semanalmente, os ambientes acadêmicos da Universidade de Passo Fundo (UPF) e da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) se modificam ao abrir espaço para as coberturas esverdeadas, caixas de alimentos naturais, potes de geleia, bolos e artesanatos produzidos pelos agricultores feirantes que agregam o conhecimento da terra à formação universitária estimulando, através do comércio, um novo olhar sobre o modo de se alimentar, em projetos voltados à Economia Solidária.
Para além das trocas comerciais, uma parceria entre o canal Futura e o Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cededica), de Passo Fundo, projeta introduzir no ambiente escolar público e privado do município e região a educação voltada à segurança alimentar. “A ideia é produzir conteúdo voltado ao projeto Maleta Juventudes para que os estudantes entendam o que estão consumindo e o modelo de produção e consumo”, explica o coordenador das atividades, Carlos Eduardo Sander. Conforme ele, que há mais de 20 anos trabalha com produção orgânica, os exercícios também são um elo entre os educandários e a comunidade escolar, instigando o pensamento sobre a responsabilidade individual no cuidado ao meio ambiente. “Isso possibilita que se discutam valores trans e interdisciplinares. Os alunos levam a demanda de descoberta sobre cada alimento produzido em cada estação, e os encontram na escola. Os produtores rurais disponibilizam os produtos pelo mesmo preço vendidos nas feiras abertas para que os estudantes consigam ser os gestores da própria feira”, ressalta.
A agricultura, portanto, funciona como ponto de encontro entre os produtores rurais e os consumidores. Mas, as universidades e escolas não são as únicas a cederem seus espaços. A presidente da Coonalter, Maristela Finatto Ferro, revela que os agricultores da cidade e região também cedem os limites das propriedades para receber a comunidade interessada em conhecer o processo produtivo dos alimentos que consomem, em visitas guiadas por quem está, todos os dias, em contato com o solo. “As inscrições são realizadas nas próprias feiras e a ida é nas tardes de sábado. Nossa próxima visita está planejada para o final de abril”, anuncia.
Atualmente, a Feira Ecológica está situada junto à Praça Irmã Maria Catarina, e conta com oito bancas, sendo os seus agricultores feirantes provenientes dos municípios de Carazinho, Casca, Santo Antônio do Palma, São Domingos do Sul, São João da Urtiga, Três Arroios e Vila Maria.
Reserve as sacolas
Além das Feiras Ecológicas promovidas pela Coonalter, a Feira do Pequeno Produtor reúne 74 feirantes que comercializam alimentos de origem vegetal e animal, no Parque da Gare. O espaço é aberto às segundas e quartas-feiras, das 12h30min às 17h, e aos sábados das 6h às 12h.
O comércio de orgânicos promovido pela Coonalter é realizado, quinzenalmente, na Universidade de Passo Fundo (UPF), nas terças-feiras, das 10h às 17h. Nas Praças da Mãe Preta, Irmã Maria Catarina e Antonio Xavier, todos os sábados, das 7h30mim às 12h, e mais recentemente, na Universidade da Fronteira Sul (UFFS), todas as terças-feiras, das 8h às 14h.
“Produzimos orgânicos para oferecer produtos sem agroquímicos aos consumidores também como uma maneira de agradecer a natureza pelo alimento gerado”.