Fazer ligações e acessar as redes sociais não é a única utilidade dada aos celulares. Há algum tempo, graças ao desenvolvimento de aplicativos, o aparelho tem servido como uma ferramenta que auxilia os usuários em tarefas do dia-a-dia, como fazer compras, agendar compromissos, chamar um motorista e pagar contas. No Brasil, o uso é tão difundindo que, de acordo com uma empresa estadunidense especialista em pesquisa de mercado, a App Annie, o país ocupa o segundo lugar no ranking de países com maior número de apps utilizados por mês. A média aqui é de 40 aplicativos.
O comportamento abre as portas para novos nichos no mercado móvel. É esse o caso de uma startup passo-fundense que lança nesta semana o aplicativo Pila Digital – uma carteira digital que permite realizar em poucos segundo a transferência de dinheiro entre compradores e vendedores, em estabelecimentos de Passo Fundo. A intenção é transformar a maneira que as pessoas pagam contas e tornar a tarefa mais prática e segura. “Acreditamos que o aplicativo será capaz de fomentar a economia local de duas maneiras: uma é que, além de ser gratuito para os usuários, gera taxas mais baixas para os estabelecimentos credenciados do que a cobrada em pagamentos feitos com cartão. É dinheiro que deixa de sair de Passo Fundo e ir para multinacionais. Ele fica aqui. Outra é que, em um cenário em que o Pila cresça, a gente vai gerar empregos no município”, defende o CEO do Pila Digital, Álvaro Melo.
A criação do Pila Digital e detalhes sobre seu funcionamento são a pauta da última matéria da série do ON sobre empreendedores locais que, reunindo uma boa dose de criatividade, têm proposto novas formas de negócio dentro do município.
Na palma da mão
Nada de dinheiro vivo, cartões ou talões de cheque. Uma nova forma de lidar com dinheiro chega a Passo Fundo nesta terça-feira (2). Funcionando como uma carteira virtual, o Pila Digital permite que usuários façam pagamentos a estabelecimentos comerciais do município sem precisar levar nada no bolso além do aparelho celular. É que o meio de pagamento se baseia unicamente na transferência de recursos entre carteiras digitais através do uso de QR Codes – um código de barras bidimensional que pode ser escaneado pela câmera do celular.
O funcionamento da carteira é bastante simples. O usuário precisa apenas baixar o aplicativo Pila Digital, se cadastrar, vincular o aparelho a uma conta bancária e realizar a transferência do montante de dinheiro desejado. A ação é chamada de “carregar a carteira”. O valor transferido fica disponível no Pila de maneira imediata. A partir daí, basta ir até um dos estabelecimentos credenciados ao Pila Digital (a lista de credenciados está disponível dentro do próprio app), fazer a leitura do QR Code daquele lugar e escolher o quanto deseja transferir para lá. Tudo isso sem taxas para o usuário. Depois da confirmação de transferência, o dinheiro é debitado no app do usuário ao mesmo tempo em que o comerciante recebe a confirmação de pagamento. Em cerca de 24 horas, o valor aparece na conta da loja credenciada. É como se fosse um cartão de débito, mas mais prático. A desvantagem, por outro lado, é que sem conexão de internet não é possível realizar nenhuma operação. É tudo feito de maneira online.
Na outra face, está o lojista que deseja se cadastrar e receber pagamentos através do Pila Digital. Por não precisar de cartões e nem máquinas, as despesas mensais para ele se tornam mais baixas. As taxas sobre os pagamentos recebidos também são menores que as cobradas por cartões de crédito ou débito. Enquanto nos métodos tradicionais as taxas de cada operação giram em torno de 2,5% a 3,5%, no Pila Digital a taxa-base para o credenciado é de 0,99%. Para oferecer o serviço, o empresário precisa somente de um aparelho celular onde o aplicativo esteja instalado, uma conta bancária vinculada a ele e displays ou adesivos com o QR Code do seu estabelecimento, para que o cliente possa escanear o código e efetivar o pagamento.
Pioneiro na região
O Pila Digital é um dos primeiros aplicativos de carteira digital disponíveis no Rio Grande do Sul. A startup gaúcha, fundada com a finalidade de facilitar a transferência de recursos entre compradores e vendedores, surgiu justamente aqui, em Passo Fundo, dentro da Atua Sistemas de Informação. CEO do Pila, Álvaro Melo conta que a ideia nasceu depois de os sócios ficarem sabendo como funcionavam os pagamentos na China – lá, o equivalente a duas ou três vezes o valor do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil é pago através de QR Code.
A curiosidade serviu de gatilho para que o grupo decidisse estudar a fundo o assunto e pesquisar quais aplicativos do gênero já existiam no mercado. Eles notaram que, embora já existam plataformas virtuais de pagamento similares ao Pila, em Passo Fundo são raros os estabelecimentos credenciados, onde o usuário possa fazer o pagamento através destes aplicativos, o que acaba tornando as carteiras inutilizáveis. Assim, percebendo a brecha que havia no Estado, decidiram que era hora de correr o risco e inovar. “Antes de começarmos efetivamente o projeto, fomos na China e ficamos lá durante dez dias para ver isso rodando e entender de fato como é que funcionava. Os volumes lá são muito grandes, é algo muito consolidado e funciona exatamente do mesmo modo que a gente desenha”, descreve Álvaro.
Por ter nascido dentro da Atua, o CEO comenta que a startup acaba sendo um pouco diferente. “Se fosse apenas uma turma de amigos querendo começar um negócio, precisaria de muita grana até montar tudo, comprar equipamento e uma série de coisas. Nós já tínhamos tudo isso. As coisas estão todas integradas na Atua. A equipe do Pila é composta pelos colaboradores de lá, nós já trabalhávamos juntos”. A integração é positiva até pelo fator de experiência: na Atua eles também já haviam desenvolvido alguns aplicativos e, por isso, sabiam como o sistema funcionava. “Já tínhamos aprendido um pouco com isso e tínhamos certeza que tínhamos a técnica para fazer o Pila. Foi tranquilo porque fomos maturando com o tempo”.
Cerca de nove meses foram necessários para que a estrutura do Pila Digital fosse montada, o aplicativo fosse criado e testado, as burocracias com bancos fossem resolvidas e representantes da startup visitassem estabelecimentos do município a fim de cadastrá-los para receberem os pagamentos por QR code. Na estreia do app, nesta terça-feira, cerca de 90 espaços já terão o Pila Digital operando. O objetivo é que esse número cresça e, até o fim do ano, chegue a 300. “A gente tem uma abordagem distinta. Tem muita gente com iniciativa de pagamento com QR code, mas o que a gente tem de diferente é que agregaremos um grande número de credenciados. Assim, onde o usuário quiser gastar com recorrência, ele conta com a opção”.
E por que não utilizar cartão de crédito? O CEO esclarece que o motivo é simples: com cartões de crédito, o Pila Digital não conseguiria diminuir as taxas de cartão que todos os comerciantes queixam-se por serem altíssimas. Isso acabaria com a proposta de ser vantajoso tanto para o usuário quanto para o lojista.
Quem pode se credenciar?
Qualquer ponto de venda do município. Sem excludentes. Para isso, é só acessar o site (piladigital.com.br), preencher um formulário e aguardar uma equipe do Pila entrar em contato. “Como não temos força comercial para ir até todos os estabelecimentos de Passo Fundo, nesse primeiro momento estabelecemos o critério de buscar locais onde o nosso primeiro público, os jovens, gasta com recorrência. A gente já tem uma abertura tanto com a IMED, quanto com a Universidade de Passo Fundo, onde o aplicativo já está funcionando”.
A ideia, por enquanto, é operar o Pila Digital somente em Passo Fundo, com uma meta de 300 credenciados e dez mil usuários nos três primeiros meses. Conforme o CEO salienta, não há nada que impeça o aplicativo de ir para outras cidades – essa é, inclusive, uma meta a longo-prazo –, mas a startup ainda não tem força de credenciamento fora de Passo Fundo. “Para nós, é mais interessante concentrar aqui primeiro porque, por exemplo, se liberarmos em Marau, talvez alguém de lá baixe e consiga pagar em só dois ou três estabelecimentos. Não faz muito sentido. A ideia é credenciar muitos lugares de Passo Fundo, fazer sucesso aqui, aprender com esse processo e depois ir replicando em outras cidades”.
Praticidade e segurança
Para os usuários, o ponto alto do Pila Digital é a facilidade. A carteira digital dispensa a necessidade de enfrentar filas de banco para sacar dinheiro, agiliza o pagamento de contas porque não há necessidade de aguardar o caixa contar e devolver o troco e ainda ajuda quem costuma sair e dividir a conta. “Por exemplo, se o jovem vai com os amigos no bar e quer dividir uma conta, vai ser muito mais fácil. Um dos amigos paga a conta total ao bar com o Pila Digital e os outros amigos fazem a transferência do que ficaram devendo para a conta desse amigo. Se eles quiserem ser bem exatos na divisão, podem transferir R$ 10,22, por exemplo. Pode especificar os centavinhos. Antes de sair do bar está tudo resolvido. Não tem aquele problema de faltar troco ou de alguém ficar devendo a sua parte para o amigo”, Álvaro esclarece.
Envolve também a questão de segurança, já que não é necessário sair com dinheiro vivo. Se o celular for roubado, não é possível roubar o dinheiro que está no Pila. Isto porque, para qualquer operação, o app solicita uma senha de dígitos ou a leitura biométrica. “Para a sociedade, é uma mão na roda. É uma facilidade para o dia-a-dia, tem uma função social de qualidade de vida por trás disso”, comenta a assessora de comunicação da startup, Natália Fávero.
Bancos
Atualmente, sete bancos estão entre os cadastrados no Pila Digital. São eles: Banco do Brasil, Banrisul, Bradesco, Caixa, Itaú, Santander e Sicredi. A expectativa é de que outros ainda sejam associados no decorrer do ano.