O saguão do Cine Pampa, naquela manhã do dia 15 de outubro de 1966, serviu de palco para um acontecimento que, ainda hoje, na Capital Nacional da Literatura, pode ser considerado raro: o lançamento de um romance. Sob os auspícios da Editora Padre Berthier e do Grêmio Estudantil Nicolau de Araújo Vergueiro, o jovem escritor Gilberto Borges estreava no mundo das letras com o livro Uma terra à procura do céu. Até então, os passo-fundenses tinham o privilégio de ter conhecido apenas dois romances escritos por autores locais. O folhetinesco Marta (1947), do advogado Jurandyr Algarve, que assinou o livro sob o pseudônimo Montclair, e o indigenista Irapuã, do jornalista Jorge Edeth Cafruni (com edições em 1955 e 1962). Ambos, apesar de escritos no século XX, frise-se, com temáticas e linguagem do século XIX. O romance de Gilberto Borges foi o terceiro produzido em Passo Fundo, sendo o primeiro de um autor genuinamente passo-fundense (Algarve nasceu em Laguna, SC, e Cafruni era natural de Porto Alegre) e sintonizado com o seu tempo. Desde então, passados 52 anos, a nossa produção de narrativas longas não mudou substancialmente, talvez nem sendo necessário usar todos os 10 dedos das mãos para contabilizar os romances localmente produzidos (incluam-se os títulos de Jorge Alberto Salton, Agostinho Both, Marconi De Cesaro e outros poucos).
No memorável ensaio que escreveu sobre o livro Uma terra à procura do céu (Água da Fonte, v.1, n. 2, p. 32, 2004), o acadêmico Paulo Monteiro destacou Gilberto Borges como a nossa melhor promessa de ficcionista. Infelizmente ficou na promessa, pois, uma vez formado engenheiro-agrônomo e tendo constituído família, o lado prosaico da vida o levou para outros caminhos. A obra paga tributo à idade do autor. Mas é uma trama bem urdida, que narra a história do fazendeiro Francisco Costa, cujo enredo se passa entre 1917 e 1945. À ficção, em que facínoras aproveitam a revolução para saquear propriedades e cometer todo tipo de violência, misturam-se passagens históricas como o cerco de Passo Fundo, em janeiro de 1923, pelos assisistas. Francisco Costa, casado com a argentina Maria Cortez participa das revoluções de 1923 e 1930. Retorna para encontrar Maria, que engravida pela terceira vez e morre no parto. O filho Chico sai esquisito como o pai. O fazendeiro quarentão e viúvo encontra o amor na professora Sandra e enfrenta a oposição de Chico. Quer saber mais? Leia o livro.
Gilberto Borges é descrito, nas lembranças dos amigos, como uma pessoa simples, politicamente engajado, às vezes solitário, até certo ponto tímido, sedutor, bem-humorado, algo melancólico, extremamente ético, franco, respeitoso, fraterno e amante da cultura. Trouxe a Passo Fundo o diretor do Teatro de Arena de Porto Alegre, Jairo de Andrade, para que montasse a peça Os Fuzis da Senhora Carrar, de Berthold Brecht, em que atuou como ator.
Formado em Agronomia, pela primeira turma da UPF, em 1970, casado com Florinda Endres e pai da Bárbara e da Ana Maria, Gilberto Borges foi trabalhar em Ponta Grossa, no Paraná. De volta a Passo Fundo, no final dos anos 1980, fundou, em sociedade com Ivaldino Tasca, a editora Aldeia Sul e passou a publicar o Jornal do Plantio Direto. Mais tarde criou a Aldeia Norte Editora e continuou com o Jornal do Plantio Direto, depois transformado em Revista Plantio Direto, e seguiu organizando e criando eventos, cujo principal chama-se EXPODIRETO. Casou-se com Juliane Borges e é pai do João Manoel e do Santiago.
Depois do livro Uma terra à procura do céu, Gilberto Borges pode exercitar a sua verve literária nos editoriais e nas reportagens para o Jornal e Revista Plantio Direto, além da sua obra derradeira, Nonô Pereira - 25 anos plantando na palha, concluída 5 dias antes da sua morte, aos 55 anos, em 31 de agosto de 2002. Infelizmente, o seu talento literário não encontrou o céu merecido.
(O colunista é grato pelo compartilhamento de lembranças e memórias afetivas, a Pedro Du Bois, Geraldo Fernandes, Khaled Ghoubar, Hugo Lisboa, Carlos Alceu Machado e Ivaldino Tasca.)