“Vai na bocha hoje?”. A pergunta do aposentado Luiz Carlos da Silva Nunes, de 66 anos, é puramente retórica. Ele sabe que, ao chegar ao canteiro central da Avenida Brasil, na altura do bairro Boqueirão, vai encontrar os amigos e parceiros do esporte. A cancha é o ponto de encontro de cerca de 30 homens todas as tardes. “Só perdoamos os domingos e feriados”, brinca um deles. Eles começam a se concentrar no local por volta das 14h30. Por lá permanecem até o entardecer. Difícil algum deles faltar, ressalvo motivos de doença ou algum outro compromisso importante. Uma parcela é “iniciante” no time. Jogam há três, quatro anos. Mas há aqueles que estão entre os “fundadores”.
O grupo começou a se formar há mais de 25 anos. Quem conhece bem a história é Achyles Trezzi. Aos 93 anos, ele é um dos que está há mais tempo. “No início, a gente não jogava todos os dias. Tinha uns seis, sete que jogavam”, afirma o aposentado. Os homens passaram a se reunir, à época, por intermédio de Adagir Gabriel, proprietário de uma barbearia próximo do ponto de encontro. Ele começou a chamar conhecidos para jogar. Sem espaço apropriado, eles improvisavam na grama mesmo.
Com o passar do tempo, o grupo foi crescendo. A história que mais se repete é dos que passavam por ali, viam os demais jogando e iam se agregando à equipe. Da grama, eles passaram a jogar em uma cancha feita de madeira. Severino Lourençato, de 76 anos, diz que foi ele quem tomou a frente pela construção do espaço, o que causou algumas divergências de opinião no período. Mais tarde, tiveram de fazer outra cancha. Finalmente, em 2015, a Prefeitura de Passo Fundo entregou um espaço de material para eles.
Os próprios idosos cuidam. Lourençato conta que toda manhã vai até o local para organizar a cancha. Além disso, eles possuem regras. Quem joga tocos de cigarro ou deixa restos de comida sofre advertência verbal dos demais. O jogo é organizado por dois grupos de quatro participantes. Em cada extremidade da cancha fica dois de cada time, que lançam as bolas na direção oposta. O objetivo é deixar a bocha o mais próximo possível do balim (ou bolim), que é uma bola menor. Quando há muitos homens, eles organizam os times de modo que o time vencedor pode permanecer para o próximo jogo.
Trezzi é conhecido pelos demais como um bom jogador. Questionado, ele recorre à modéstia. “Depende o dia. É psicológico. Às vezes a gente joga bem, outros dias não. Sou um jogador razoavelmente bom”, aponta. Provocado a jogar pela reportagem, ele marca quatro pontos em um lance. A jogada é considerada boa e os companheiros de equipe comemoram.
Natural da região de Frederico Westphalen, Achyles Trezzi foi padre por mais de 10 anos. Depois saiu do seminário, constituiu família e acabou morando em Passo Fundo. “Jogo por prazer. Mas também jogo porque se eu fico em casa sentado, eu vou. Aqui eu prático exercícios físico, faz bem para a saúde”, afirma Trezzi.
Gabriel, que acabou virando referência do grupo, faleceu em 2010, aos 82 anos. Apaixonado pelo esporte, o nome dele está inscrito em uma placa, na lateral da cancha de material. Além de Grabriel, outros participantes também já morreram, conforme Achyles. O jogo de todas as tarde, porém, ficou como tradição.