A Bíblia é sagrada pela sua riqueza insuperável como narrativa humana, mesmo sob olhar profano. No aspecto de crença é manancial inesgotável. Temos a palavra escrita nos episódios proféticos, na relação entre os povos e as pessoas, Salmos, ou o Apocalipse, e ampla versão sobre a vida e a morte. E somos assim, caminheiros de uma jornada que considera o ser humano que quer enxergar o porvir transcendental. Com mais ou menos intensidade, religiosidade ou descrença, todos nos defrontamos com a convicção ou a incerteza do começo conectado ao fim existencial. No meio, a vida que todos sabemos frágil ou passageira. Então, nesta saga pretensiosa que almeja saber o destino de corpo e alma, guardamos a lição do filósofo Elli Benincá, que nos tranqüilizou, ante a minha incapacidade de raciocínio mais profundo: na dúvida sobre a continuação da vida num estágio espiritual, é melhor considerar que ela existe, sim! É o supremo comando de Deus! É claro que tudo isso é complexo, mas a índole humana se apresenta naturalizada pela necessidade da crença, ainda que seja a aporia de descrer. Desculpem os leitores, mas após tímida tentativa de acesso a alguns pensadores de nossa história continuamos curioso, mas com a certeza de saber quase nada. Pelo menos isso.
Cristo sob olhar humano
Não há dúvidas. A vida de Cristo, que ainda adolescente brilhou na discussão com os doutores de lei, no Sinédrio foi o exemplo inexcedível. O núcleo dominante dos fariseus registra situações comprometedoras desde o cativeiro no Egito, onde flertavam clandestinamente em reverência aos deuses dos dominadores, contrariando a crença monoteísta. A discriminação e soberba dos fariseus (hipócritas) teve oposição de Cristo. Sua pregação irritava-os. E Cristo foi traduzido como insidioso social, entregue à corte romana para ser morto. Os prodígios se multiplicavam e o “doutores” detestavam o poder popular. Isso, após momento de forte composição com as esperanças do povo mais sofrido, no Domingo de Ramos. E Jesus desfilou com seu povo, montado num jumento, meio modesto de locomoção. Não era cavalo triunfal. Agravou-se a ira dos mandantes.
Vigilatum mecum
Lembramos das palavras fortes proferidas pela personagem humana e divina no Horto das Oliveiras. O Ode das Oliveiras é o cântico onde a liturgia gregoriana retrata o dilema de quem sabia que iria morrer sob suplício como imolação libertária. Cristo orou e suou sangue. Seu espírito ainda habitando o corpo sofria antecipadamente a dor do dever sublime. “Tristis est anima mea, usque ad mortem” (minha alma está triste até a morte), exclamou. E chegando a hora de ser entregue aos torturadores falou decidido: “Sustinete in, vigilatum mecum” (levantai-vos e vigiai comigo), dirigindo-se a seus discípulos. Reiterou que enfrentaria a dor por todos nós: “vos fugam capietis, et ego vadam imolari pro vobis” (vós sereis salvos da morte, e eu irei imolar-me por vós). Após esta comunicação ele foi preso, interrogado, condenado (pela justiça dos homens), e morto. É amor infinito que transborda à compreensão humana. Assim foi sua missão inesgotável inscrita na história da humanidade.
Ele vive
Cristo é figura viva entre nós, muito além de sua lembrança mítica. É o gérmen que nasce em cada um das gerações humanas, ricos e pobres, sofredores de diferentes vidas. Cabe a cada um vivenciar seu exemplo tanto quanto pode nosso limite humano, ou escondê-lo de nós mesmos!
Bem-aventuranças
Para nós que ouvimos tanta tolice é hora de pensar. Um dos trechos mais luminosos legados à humanidade, no entanto, merece ser ouvido. É a mensagem das bem-aventuranças, proclamadas no Sermão da Montanha. É um texto firmado pela própria vivência de Cristo, o mártir da humanidade, retratado em diversas circunstâncias de nosso cotidiano. A fonte maior da luta pelo sublime da vida e libertação. Olhemos, ele está no meio de nós.