Demissão de funcionários, redução da estrutura física e suspensão de benefícios concedidos a trabalhadores são algumas das medidas adotadas por entidades cujas finanças dependiam, majoritariamente, da contribuição sindical. Com a facultatividade da arrecadação do imposto, alteração promovida pela Lei 13.467/2017, a popular Reforma Trabalhista, parte das associações viram uma debandada de filiados.
Em Passo Fundo, algumas entidades tiveram uma queda de até 70% no número de associados, como é o caso do Sindicato dos Trabalhadores da Alimentação. Eles precisaram demitir um funcionário. Como o sindicato sempre trabalhou no limite, agora vê dificuldades para manter benefícios como plano de saúde e assistência jurídica. “Está muito difícil. Foi vendido uma imagem de que não precisa mais pagar contribuição sindical. Pelo contrário, agora que precisa. Ainda mais com essa lei de que o acordado vale mais do que o legislado”, destaca o presidente, Miguel Luis dos Santos.
Os comerciários, que disponibilizaram uma clínica médica com cinco especialidades (clínico geral, pediatria, psicologia, psiquiatria e ginecologia) ao custo de R$ 20 reais mensais aos funcionários do setor, precisaram suspender o benefício. A receita deles caiu pela metade: de R$ 1,2 milhão, valor que era arrecadado por ano antes da Reforma Trabalhista, passou a recolher R$ 500 mil. O quadro de funcionários também foi afetado, com redução de mais de 50%. De oito, hoje há três pessoas trabalhando para o sindicato. Além disso, o sindicato dos comerciários tenta vender a sede de lazer que possui no Complexo da Roselândia. O imóvel, porém, já estava à venda antes da Reforma Trabalhista. O motivo é o valor elevado da manutenção.
No Sindicato dos Trabalhadores Rurais, cujas receitas não têm origem exclusivamente da contribuição sindical, sentiu-se uma queda na arrecadação. Conforme o presidente da entidade, Airton Ferreira dos Santos, as despesas continuam as mesmas, senão maiores. O número de associados caiu de 870 para cerca de 600. No momento, outras receitas do sindicato estão conseguindo manter a instituição, que não precisou reduzir quadro de funcionários ou fazer mudanças na estrutura. “A perda maior é para o trabalhador. As rescisões não acontecem mais nos sindicatos. Os trabalhadores acabam ficando desassistidos”, pontua.
Tal cenário não é exclusivo do Município. Em Porto Alegre, o Sindicato dos Empregados no Comércio anunciou o fechamento por tempo indeterminado a partir de 18 de março, em função da falta de receitas. “Não é mais viável manter a estrutura de antes, com os recursos de agora. Reforçamos o nosso compromisso frente a todos os comerciários e comerciárias: continuaremos o nosso trabalho de fiscalização constante em busca dos seus direitos, mas agora, de uma forma diferente”, afirmou o presidente dos comerciários de Porto Alegre, Nilton Neco, à época do anúncio.
Para Tarciel da Silva, presidente dos comerciários de Passo Fundo, muitos trabalhadores não têm consciência da importância do sindicato. Não atribuem às entidades o crédito pelos direitos conquistados. “Quando o trabalhador está empregado. Ele está bem, está estável. Acha que é o patrão que dá aumento pra ele. O problema é quando ele sai. Esse é o momento em que ele está mais vulnerável. Mais desassistido. É quando ele precisa fazer a rescisão que ele vai precisar do sindicato”, enfatiza, referindo-se a mudança da reforma trabalhista que transfere a rescisão do sindicato para a empresa. Segundo ele, se o sindicato dos comerciários fechar as portas, por exemplo, os trabalhadores que hoje ganham R$ 1,2 mil base, podem se demitidos e depois recontratados para ganhar um salário mínimo.
Impactos da crise econômica
A situação do Sindicato dos Metalúrgicos, que além de Passo Fundo, atende municípios da região, é um pouco diferente. De acordo com o presidente, Alexson José da Silva, a maior baixa de associados se deu em decorrência das demissões durante o período de recessão econômica, entre 2014 e 2017. Neste sentido, para Silva, a Reforma Trabalhista regulamentou uma visão que já se tinha antes. Algumas pessoas que não tinham relação com o movimento sindical se desvincularam enquanto que outros trabalhadores, com outro perfil, estão até mais próximos do sindicato.
Isso exigiu algumas mudanças na estrutura do sindicato. O imposto sindical acabou. A entidade trabalha agora com contribuições espontâneas que são negociadas a partir de vantagens ao associado. As mudanças ocasionaram uma queda na arrecadação. Porém, uma das perdas mais significativas, ocasionadas pela Reforma foi na questão salarial, conforme Alexson. Em 2018, a média salarial dos funcionários desligados era de R$ 2,1 mil, enquanto que a média de contratação foi de R$ 1,5 mil. Conforme o representante dos metalúrgicos, houve muitos casos de trabalhadores demitidos e recontratados alguns meses depois com um salário inferior.
Desrespeito com o trabalhador
Os sindicalistas também registram o aumento do desrespeito com o trabalhador e as dificuldades para negociar a convenção coletiva. Antes da Reforma Trabalhista, quando o acordo vencia, valiam os direitos assegurados na última convenção. Agora, essa lógica não vale mais. Quando os acordos vencem, não há garantia dos direitos adquiridos pelos trabalhadores, conforme Alexson.
A mudança fez com que a classe dos trabalhadores adiantasse as negociações com a patronal. A convenção da indústria dos metalúrgicos, por exemplo, vence em 1° de maio. As negociações chegavam a se estender até setembro após o vencimento. Para a convenção com vigência a partir de 1º de maio, já há tratativas desde novembro do ano passado.
MP 873
Os respingos dessa alteração na legislação não atingem todas as entidades. Há instituições cujas receitas não dependem majoritariamente do imposto sindical, como é o caso do Sindicato dos Bancários de Passo Fundo ou das entidades que representam os professores da rede estadual. Porém, a dor de cabeça para essas associações se concentra na Medida Provisória 873 assinada pelo governo Bolsonaro em fevereiro, que proíbe o desconto sindical em folha.
E agora?
A crise financeira provocada pela falta de contribuição dos trabalhadores mostra outro lado. Ela provoca um exercício de reflexão, por parte dos dirigentes, sobre a legitimidade das instituições e a conscientização dos trabalhadores a respeito do papel dos sindicatos. Mais do que driblar as dificuldades econômicas, as entidades agora precisam repensar estratégias para mobilizar novamente os funcionários e reconquistar as filiações. Para isso, há uma revisão de modelos de negociação e de trabalho que já tinham como garantido. “A Reforma Trabalhista colocou os sindicatos em movimento”, nas palavras do presidente dos Metalúrgicos de Passo Fundo, Alexson José da Silva.
“O acordo coletivo que a gente faz beneficia todos. Precisamos fazer, a partir de agora, uma campanha de conscientização sobre a importância de contribuir com o sindicato”, enfatiza Miguel Luis dos Santos. O Sindicato da Alimentação, por exemplo, estuda aumentar o valor da contribuição. Atualmente, os associados contribuem com R$ 2 mensais. “Governo passa, os trabalhadores continuam na fábrica. Não podemos entregar os pontos”, disse Miguel Luis dos Santos. Outras entidades adotaram sistemas de vantagens para os associados ou estão pensando em campanhas de conscientização e aproximação com o trabalhador. Há também, quem cogite fechar as portas, a exemplo do que fez o Sindicato dos Trabalhadores do Comércio da Capital.