OPINIÃO

A finitude do herói e a volta para casa

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Vingadores: Ultimato, o dono de 80% das salas de cinema do Brasil, é um filme de fechamento e referências, como era de se esperar e como não poderia deixar de ser. Mas o filme dirigido pelos irmãos Russo, ainda que entregue os momentos de catarse coletiva em uma grande batalha e emocione os fãs, o típico fan service que é padrão em todos os 22 filmes da Marvel no cinema, também tem o mérito de dividir com esses momentos uma maturidade narrativa que muitos fãs estão deixando passar, embriagados pelas lágrimas e pela entrega de momentos esperados (e é fácil reconhecer esses momentos quando, na sala de cinema, você ouve atrás de você pessoas gritando e urrando como se estivesse assistindo uma partida de futebol).

Sem entregar nada que estrague a experiência de quem não assistiu, apenas aquilo que já se sabia antes mesmo do filme ou está em sua sinopse: toda a trama é construída em torno de uma estrutura de assalto em viagens no tempo, a única maneira de reverter o mal causado pelo vilão Thanos no filme anterior. Nessa estrutura, o roteiro cria uma explicação envolvendo múltiplas realidades para evitar problemas que sempre surgem nesse tipo de história, insere uma cena e uma fala com um certo personagem e pede que o público aceite e siga em frente sem pensar muito. Os diálogos, o ritmo e a montagem se encarregam de fazer o filme seguir sem muitos questionamentos - é quase como se o motorista do carro dissesse para você parar de olhar para o lado e prestar atenção no que está na frente. Ou seja, existem problemas aqui e ali na lógica do próprio filme que várias teorias na internet tentam explicar ou justificar, mas quero me ater ao que há de bom no filme (e não é a grande batalha final, que está ali mais para prestar contas ao público e trazer momentos isolados de satisfação com  personagens praticamente inexplorados nesse filme).

O diferencial da Marvel para a DC sempre foi a falibilidade, a humanidade, o questionamento e a aproximação desses personagens extraordinários com um mundo real habitado por pessoas reais. “Ultimato” é um filme ambientado nesse universo que encerra um ciclo. Aqui está o ideal da defesa do seu lar e do retorno a ele. A ameaça de Thanos ao final ameaçando o “irritante planetinha” que habitamos é a senha para que surja, finalmente, o exército que vá defendê-lo. Esse timing não é acidental. Se eu critiquei no filme anterior a bolha de proteção com  que envolve o público, isolando as mortes da sensação de perda, dor e do sangue, pelo menos aqui se oferece uma sensação de perda real que leva o fã às lágrimas. Aqui, mais importante do que o objetivo final, no fundo, é a jornada – e a Marvel conseguiu dar ao seu universo fantástico uma real sensação de passagem do tempo.

Está nessa jornadas de retornos e feridas curadas, de reafirmações, e de despedidas ou novas possibilidades o melhor do filme. No reencontro com suas próprias personas e na lembrança de seus próprios valores, a partir da estrutura de filme de assalto e de viagens no tempo. Mais do que a busca por jóias poderosas no passado, as regressões de três personagens (Homem de Ferro, Thor e Capitão América) são importantes porque nos permitem olhar para eles e perceber o quanto esse tempo significou para os personagens, tanto quanto para nós. A busca por uma jóia é a desculpa. O reencontro dos heróis com suas essências é o grande prêmio. Em Stark está a construção de uma mensagem sobre paternidade que será importante nas suas escolhas futuras dentro do roteiro ( e não é à toa que no momento mais climático do filme ele não use um capacete: o herói não é a armadura, mas quem está  dentro dela).

Com Thor e seu arco dramático (que muito fã não gostou pela aparência do personagem) está a percepção do quão rude e humana, é sua jornada, apesar de ser um Deus. De todos os personagens, o Deus do trovão é o que mais se aproxima de um ser humano falho e incompleto.

E em Steve Rogers, no encontro consigo mesmo, a percepção que, de todos ali, é o que mais manteve intacta sua moral. Seu embate nessa viagem no tempo é quase uma luta de reflexos, reafirmando o quanto certos valores morais essenciais na construção do mito do herói permanecem imutáveis. E é isso tudo que interessa, principalmente porque é em torno do Capitão e de Stark que se constrói o protagonismo desse último filme, uma reafirmação de valores saudados pela cultura norte-americana: o da volta para casa e o da defesa de ideais como honra, coragem e dignidade.

É preciso aprender a viver sem ter que rever certos personagens a cada dois anos, após a entrega da satisfação do revide (“Não somos prevenidores, somos Vingadores, certo?” diz Stark, ironicamente, no começo do filme). Que o público tenha entendido isso e deixe os personagens descansarem. O mundo gira – se vc não for terraplanista – e os ciclos se renovam. É essa a beleza na fala de uma personagem em um momento de extrema emoção ao final do filme: "Vai ficar tudo bem. Nós vamos ficar bem". É quase uma quebra de quarta parede, dirigida ao personagem que está morrendo e também a quem está do lado de cá - no caso da fan base, chorando emocionada.

A perda e a finitude são parte da jornada... 

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