Um microfone na mão, alguns convidados e várias ideias na cabeça. O conceito adaptado à expressão discorrida pelo cineasta Glauber Rocha entre as décadas de 1960 e 1970 durante o Cinema Novo se aplica ao que os professores universitários Felipe Abal e Gabriel Divan fazem há dois anos no Viracasacas Podcast. Pensado inicialmente para abranger assuntos do âmbito jurídico, os arquivos de áudio se popularizaram nas redes sociais, onde reúnem mais de 18 mil seguidores e uma análise mais aprofundada sobre os acontecimentos.
Ao desburocratizar a literatura jurídica, os podcasters reúnem uma comunidade de ouvintes que, semanalmente, interligam-se através do som para escutar ao longo de uma ou até duas horas o que os juristas têm a dizer sobre direito, política e atualidades. Ou, como eles descrevem na plataforma virtual, sobre “tudo o que der na telha”. “O podcast é uma forma de popularizar o que você conhece utilizando uma linguagem mais acessível para que quem tiver interesse possa ouvir sem qualquer tipo de limitação”, menciona Abal. Consumidor do formato surgido em 2004 “há muito tempo, iniciado com o NerdCast”, como cita, idealizou os programas para, também, democratizar o acesso aos conhecimentos que ele e Divan transmitem diariamente a um número restrito de alunos em sala de aula.
Assim como o Viracasacas, cerca de 32% dos podcasts produzidos no Brasil são publicados toda semana, de acordo com um levantamento realizado pela Associação Brasileira de Podcasters (ABPod). Entre uma pausa forçada para o almoço e um gole de suco, Abal e Divan compartilham algumas histórias sobre o podcast criado pela dupla em fevereiro de 2017. “Eu acho que a expansão do programa começou quando eu e o Abal fizemos um Viracasacas sobre o julgamento do Lula no ano passado”, avalia Divan.
Voz enigmática
“O cru mesmo do podcast é você mesmo gravar, você mesmo editar, é o microfone um poquinho ruim”, pondera Abal, revelando ter recebido comentários sobre a qualidade das transmissões. Ao lado de Divan, a voz enigmática de um terceiro membro do Viracasacas desperta curiosidade nos milheres de seguidores da dupla. “O Carapanã é aquela figura que sabe muito e de muita coisa diferente. Ele é aquela figura que se aventura onde ninguém vai. Sempre nos perguntam sobre a identidade dele”, divertem-se. Segundo eles, o sigilo é mantido para preservar a integridade dessa terceira pessoa por ele “receber ameaças” através das redes sociais. “Ele nos relatou algumas tentativas de hackers e várias mensagens de reação aos comentários que manifesta”, revela Divan.
Produção artesanal
A pesquisa realizada pela ABPod mostrou ainda que 73,5% dos podcasts são gravados na casa dos produtores utilizando poucos equipamentos. O Viracasacas não foge à regra. Sem data diária fixa para a gravação, a dupla de juristas une as vozes na casa de Abal para dar início a uma nova edição do podcast. “Eu percebo que a estrutura dos podcasts, no Brasil, ainda é muito artesanal e eu acho isso muito bacana porque, para mim, é o espírito do podcast”, considera Felipe.
Psicanálise, Liberalismo, Ditadura Militar e até esporte entram na pauta de análise acompanhada por especialistas. Do jornalista vencedor de um Prêmio Pulitzer, Glenn Greenwald ao professor de Política Internacional, Tanguy Baghdadi, as opiniões são manifestadas em tons informais em plataformas de hospedagem e difusão, como Spotify e SoundClound. A participação dessas personalidades, segundo Abal, é facilitada pela conversação e gravação dos áudios através do Skype.
“É engraçado porque algumas pessoas nos mandam mensagens dizendo que são de Passo Fundo, nos ouvem, e que 'descobriram' que também somos daqui. É interessante porque a gente ganhou um espaço que é difícil conseguir sem estar em um grande meio ao discutir ciência e o Direito para que as pessoas tomem gosto e entendam que aquilo faz parte da vida delas”, conta Divan. Embora os passo-fundenses não sejam o público mais assíduo do Viracasacas, o podcast é ouvido, sobretudo, pelas pessoas residentes no Sudeste do país, conforme a dupla, corroborando os dados divulgados também pela Associação Brasileira de Podcasters. Segundo a ABPod, 55,4% dos consumidores dos conteúdos produzidos em podcast estão concentrados nessa região.
Audiência crescente
Quatro em cada dez internautas já escutaram algum programa de áudio pela internet. Os dados divulgados pelo Ibop durante a Maratona Piauí CBN de Podcast, no sábado (11), revelam a potencialidade do formato como instrumento de comunicação e segmentação de conteúdo. Embora, conforme a ABPod, os podcasts entrem na preferência dos consumidores como ferramenta de entretenimento, 80,7% utiliza os programas para aprendizado enquanto 79,9% aperta o play para se informar. Os professores universitários e podcasters do Viracasacas, Felipe Abal e Gabriel Divan, dizem não precisar o perfil dos ouvintes, mas acreditam que “são jovens, universitários, e com idades entre 20 a 35 anos”.
Utilizando uma linguagem coloquial para que, como atesta Abal, “as pessoas entendam” as locuções jurídicas, o podcast aproxima os internauras em uma atmosfera onde elas “se sentem acompanhadas”, avalia Divan. “É uma oportunidade para que você consiga abordar comentários jurídicos de uma maneira bem-humorada”, aponta.
Revolução haitiana
Além da sonoridade na locução, o nome escolhido para o podcast, segundo Abal, é uma homenagem à Revolução do Haiti, comandada por Jean-Jacques Dessalines. “Os grupos revolucionários haitianos mudaram de posição muitas vezes. Por isso, vira-casacas. Mas, claro, sempre mantendo o interesse deles pela independência e abolição da escravidão”, explica.