OPINIÃO

Tristes e alegres trópicos

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A região tropical, independentemente de qualquer determinismo geográfico, pode ser vista como “triste” ou como “alegre”. Isso vai depender da visão/escola antropológica de quem a descreve e da obra que se use como referência para este tipo de análise. Especificamente sobre os trópicos brasileiros, Claude Lévi-Strauss (1908-2009) e Luiz de Castro Faria (1913-2004) são dois nomes que se unem, a partir de uma mesma expedição/experiência, e se dividem em duas publicações que, apesar dos pontos em comum, produzidas em momentos diferentes, deixam aos leitores visões diametralmente opostas. Discutir a relação dos grupos indígenas com o clima nos trópicos brasileiros, com base em relatos de “Tristes Trópicos”, de Lévi-Strauss, e de “Um outro olhar: Diário da Expedição à Serra do Norte”, de Castro Faria, valendo-se do ensaio de Heloisa Maria Bertol Domingues, “Rain and drought: seasons in the Tristes Tropiques”, de 2009, é o objetivo deste texto.


Claude Lévi-Strauss e Luiz de Castro Faria tinham em comum a mesma racionalidade que marcou o início da antropologia social e cultural. Lévi-Strauss é, internacionalmente, mais conhecido que Castro Faria. Ele é considerado fundador de uma nova antropologia, quando, comparando diferentes culturas, buscou identificar mais os traços que as uniam do que aqueles que as distanciavam. Foi então que descobriu que há estruturas de comportamento que são universais nas sociedades humanas, desde as tidas como primitivas até as consideradas mais avançadas.


Quando, em 1938, organizou, sob sua liderança, uma expedição para região da Serra do Norte, no estado de Mato Grosso, com o objetivo de estudar o dia a dia de grupos indígenas e sua relação com o ambiente, Lévi-Strauss, trabalhando na sua tese de doutorado, relutou em aceitar a presença de outro etnólogo no grupo, Luiz de Castro Faria. Mas não houve jeito, o nome de Castro Faria foi imposto pelo Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas. E assim, com o mesmo objetivo, mas com equipamento fotográfico e material de anotação independente, fato, diga-se, bastante comum na comunidade científica, partiram os dois para a já referida expedição, que durou seis meses. Começou em Cuiabá/MT e rumou pela floresta amazônica até Guajaramirim, na divisa com a Bolívia. Lévi-Strauss, neste ponto, deu por encerrada a expedição. Castro Faria, de lá, ainda seguiu até Belém/PA.
O resultado mais conhecido da expedição Serra do Norte é o livro “Tristes Trópicos”, publicado por Lévi-Strauss em 1955. Castro Faria, em 2001, lançou o seu “Um outro olhar: Diário da Expedição à Serra do Norte”. São dois livros emblemáticos, pois tratam o tema da relação entre cultura social e ambiente de forma inovadora, num momento que a antropologia estava sendo redefinida. Os questionamentos que ambos levantaram ainda permanecem atuais.


Tristes Trópicos é dividido em duas partes. Primeiro mostra os contrastes entre os hemisférios Norte e Sul e entre países. Depois compara os grupos indígenas visitados. Lévi-Strauss observou e dá destaque à violência do homem com o ambiente. Ele queria compreender o homem primitivo em comparação com o civilizado, como enfatizou, mas finalizou a expedição com a certeza de ter encontrado apenas diferentes culturas sociais. O livro de Castro Faria é, propriamente, mais um relato ou espécie de diário da expedição. Porém não deixa de revelar uma ecologia antropológica em profundidade, por meio da relação dos indígenas, particularmente os Nambiquaras, e suas estruturas sociais com o ambiente.


Lévi-Strauss e Castro Faria identificaram que os nativos adaptaram o ambiente tropical, marcado por duas estações (seca no inverno e chuvosa no verão), definindo duas regiões, uma quente (seca) e outra úmida, às suas necessidades, via prática de queimadas, por exemplo, que foi vista por ambos como uma agressão ao ambiente. Aliás, reforçando a conclusão de Lévi-Strauss, não só os indígenas, mas também pretensos civilizados até hoje queimam a floresta.

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