A Constituição Federal assinala, no seu art. 2º, que os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário são independentes e harmônicos. Trata-se da chamada cláusula de separação de poderes, presente em constituições de países democráticos, com o propósito de evitar que um poder se sobreponha ao outro, de forma a evitar a concentração de uso de poder. Assim, em tese, os poderes se harmonizam, cada qual no cumprimento de seu papel. Quem aprimorou didaticamente a compreensão dessa lógica foi Montesquieu, ainda no Século XVIII, quando apresentou a sua visão do que denominou ser o sistema de freios e de contrapesos de poder.
Embora a cláusula constitucional de separação de poderes seja colocada como premissa para que um país seja um estado democrático de direito, a sua configuração é definida a partir de peculiaridades que se estabelecem com a história de cada nação, que é o fio condutor de formação da sua cultura política. Por isso, é necessário que se preste atenção em experiência internas já acumuladas, pois é um erro querer importar modelos externos. O Brasil já viveu a importação de um modelo externo, em 1891, quando editou sua primeira constituição republicana, época, inclusive, em que adotou o nome de Estados Unidos do Brasil. O equívoco foi logo percebido.
O modelo de relacionamento institucional entre o Presidente da República, que responde pelo Poder Executivo Federal, e o Congresso Nacional, que recepciona os membros do Poder Legislativo Federal, e é natural que seja assim, vem sendo revisado, a partir da experiência absorvida em cada mandato. E a partir disso, alterações, no modelo, são realizadas.
A possibilidade de o Presidente da República editar, por exemplo, medida provisória, que é uma espécie de lei que antecipa os efeitos de uma norma, colocando-a em vigor antes de sua aprovação legislativa, mas condicionando a sua validade à confirmação do Congresso Nacional, é algo que não continha limitação até 2001, quando, então, foi editada a Emenda Constitucional nº 32. Houve um estreitamento do espaço para edição de medida provisória. Não é por acaso, portanto, que o Governo Federal, para citar o caso mais recente, está tendo dificuldade com a definição do texto para a confirmação, pelo Congresso Nacional, da Medida Provisória nº 870, que trata da sua reforma administrativa.
Mais recentemente, em 2015, outra medida do Congresso Nacional que alterou o modelo de funcionamento dos poderes Executivo e Legislativo foi aprovação da Emenda Constitucional nº 86, criando a modalidade de emenda parlamentar, ao orçamento público, de natureza impositiva, que obriga o Executivo a cumprir o que nela é determinado, salvo se houver alegada e prévia inviabilidade técnica. Essa modificação produziu um importante significado, pois gerou o ingresso do Legislativo Federal em um terreno que era de propriedade exclusiva do Governo: o orçamento público e sua respectiva execução.
Outro marcador na revisão do modelo de relacionamento entre os poderes Legislativo e Executivo, e este talvez seja o mais importante deles, não advém de alterações na Constituição Federal, como referido nos exemplos anteriores, mas do resultado de eleições. No último pleito, em 2018, de cada quatro senadores que tentaram a reeleição, três não foram reconduzidos, gerando, no Senado, uma renovação de 85%, considerando que sua composição é alterada em um terço/dois terços, a cada eleição. Na Câmara dos Deputados, a renovação de seus membros foi de quase 50%, para ser mais exato, 47,33%. É o maior índice de renovação da Casa dos Deputados Federais, desde a Assembleia Nacional Constituinte, em 1986. Quando o eleitor decide que não quer mais os mesmos, pelo menos em sua maioria, ele está dizendo que não quer mais os que praticam o modelo de sempre. O anúncio dado é o de que, para ele, eleitor, a prática do modelo de relacionamento entre o Legislativo e o Executivo, até então realizada, esgotou-se.
No atual momento, o Governo Federal e o Congresso Nacional estão lidando com circunstâncias que são próprias de um modelo de relacionamento entre poderes que está saindo de uma fase já esgotada para se disponibilizar a novas interpretações. Essa construção exige atenção! Seguir interpretando o modelo de relacionamento entre os poderes com leituras já superadas, é um grave erro; não se interessar por novas interpretações desse modelo também é um engano; querer impor novas interpretações, sem o natural diálogo, talvez seja o mais grosseiro dos equívocos. Então... Não é por acaso que a agenda da reforma tributária está sendo definida e cumprida pelo Congresso Nacional, à revelia do Governo Federal, e que a reforma da previdência siga à deriva no lago do parlamento sem qualquer articulação governamental que lhe dê suporte técnico e condução política.
André Leandro Barbi de Souza