Professores, estudantes, sindicalistas e trabalhadores voltaram às ruas, na sexta-feira (14), durante uma paralisação nacional registrada em diversas cidades brasileiras contra os cortes na Educação, anunciados pelo Governo Federal, e às propostas de alteração na Previdência Social. Essa é a segunda greve convocada por entidades sociais em menos de dois meses.
Em Passo Fundo, os manifestantes fizeram piquete em frente às garagens das três empresas de ônibus. Os veículos não circularam até o final da manhã, quando a Coleurb conseguiu uma liminar emitida pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT4) determinando 30% da frota na rua e 50% das linhas em horário de pico.
A saída dos 21 ônibus da garagem da empresa de transporte coletivo aconteceu por volta das 11h foi mediada pela tropa de choque da Brigada Militar, com a apresentação da decisão judicial aos grevistas. Em nota, a empresa reconhece a liberdade de livre expressão e argumenta que o despacho judicial foi solicitado “no intuito de atender a comunidade de Passo Fundo”. “O direito à manifestação é livre e precisa ser respeitado por toda a sociedade. Da mesma forma, é preciso respeitar, também, a comunidade e as pessoas que utilizam, todos os dias, o transporte público”, justificou a Coleurb.
Na região, também houve bloqueio de rodovias em pelo menos três pontos. Na BR-285, em Lagoa Vermelha, cerca de 150 manifestantes, segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), fizeram barricadas para obstruir o fluxo de veículos utilizando alguns equipamentos agrícolas; já na BR-386, em Sarandi, outro grupo também aderiu à greve geral adotando o mesmo posicionamento de interrupção das vias. Na BR-153, em Erechim, os 250 grevistas bloquearam o trânsito até as primeiras horas da tarde. Nas demais rodovias, o fluxo de carros e caminhões foi liberado gradativamente ao longo do dia.
Na cidade, pela manhã, os manifestantes se concentraram no centro, nas imediações da Praça Teixeirinha. A partir das 10h, a esquina entre as avenidas Brasil e Sete de Setembro foi bloqueada. No local, foram feitas aulas públicas e falas políticas contra a proposta de Reforma da Previdência, encaminhada pelo governo de Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional.
Tendo o mesmo lugar da manhã como ponto de encontro, porém à tarde, os cerca de 200 grevistas, segundo o Sindicato dos Comerciários, reuniram-se em repúdio a algumas pautas governamentais. Entre as bandeiras que tremulavam, cartazes e palavras de ordem, a professora Keli de Oliveira se particularizava dos demais. Com um caderno em mãos, a docente, que atua há mais de 15 anos no magistério público, foi aos protestos acompanhada pelo filho de 10 anos. “Estou ensinando ele a lutar pelos direitos”, pontuou. Mesmo com o ponto mantido para o funcionalismo público municipal, ela conta ter aderido à convocatória emitida pelo Sindicato dos Servidores Municipais de Passo Fundo (SIMPASSO). “É um direito meu. Não vou abrir mão”, enfatizou, referindo-se ao direito à manifestação, assegurado pelo artigo 5º, em seu inciso XVI, da Constituição Federal.
Com demarcação de desvio feita pela Guarda Municipal de Trânsito, os manifestantes bloquearam temporariamente a avenida Sete de Setembro, em um ato que lembrou as ações realizadas pela manhã. Em meio ao som de buzinas, em apoio ou retaliação, motoristas contrários ao protesto proferiram palavras de baixo calão e ofensas. A atitude foi rebatida por alguns integrantes dos movimentos, em um único momento de tensão registrado no ato final que marcou os protestos de adesão à paralisação nacional. “Conseguimos reunir, ao longo do dia, cerca de 400 pessoas para nos expressarmos contra a Reforma da Previdência. Fizemos isso no governo Temer; agora, no governo Bolsonaro, e faremos nos próximos, se necessário”, comentou o presidente do Sindicato dos Comerciários de Passo Fundo, Tarciel da Silva.
Aderindo a mesma pauta, integrante do Poder Judiciário Federal, em Passo Fundo, se mantiveram em frente ao prédio da Justiça Federal, ao longo da tarde, com cartazes em repúdio à Reforma da Previdência. As escolas estaduais, segundo o Sindicato dos Professores e Funcionários de Educação do Rio Grande do Sul (Cpers), paralisaram integralmente em 80% dos centros de ensino, enquanto que, nos educandários municipais, conforme o presidente do CMP/Sindicato, Eduardo Albuquerque, 10 colégios suspenderam as atividades. As demais, de acordo com ele, funcionaram em regime parcial. Segundo o presidente do Cpers, Orlando Marcelino, as escolas que optaram por não aderir ao movimento, não registraram a presença de alunos em decorrência da suspensão temporária das linhas do transporte público.
Mais de 50 anos de luta
Entre os manifestantes, estava Venita Scherer, de 76 anos, com uma placa que dizia: nenhum direito a menos. “Pensei que nessa idade eu não precisaria mais vir”, justificou-se. Porém, entendeu que com os rumos do país, e a volta de situações de injustiça e miséria, tanto de necessidades básicas quanto de instrução, precisava dar sua contribuição.
Venita é natural de Cachoeira do Sul, mas morou a maior parte da vida em Porto Alegre. Foi lá que engrossou movimentos sociais por mais de 40 anos. Professora do magistério, ela foi para a capital em busca de novos conhecimentos. Porém, o desejo de cursar psicologia nunca se materializou. Relata que, à época, as dificuldades para ingressar na faculdade eram maiores e esbarravam muito mais em recursos financeiros. Esse é um dos motivos que a vez protestar na sexta-feira, pela manutenção dos direitos da educação.
A professora mora em Passo Fundo há cerca de cinco anos. Se diz indignada com o tom de ganância de alguns enquanto outros não têm o suficiente para comer. São essas as pautas que a fizeram caminhar de sua casa, próxima à Praça Santa Terezinha, até a Avenida Brasil esquina com a Sete de Setembro na manhã de ontem. “Minha alegria é ver essa juventude aqui lutando”, complementou sobre o protagonismo dos movimentos estudantis. Aos fundos da conversa, os microfones tocavam “Como nossos pais”, composição de Belchior.
Tensão na Capital
Em Porto Alegre, os manifestantes também fizeram piquetes nas garagens dos ônibus. Também houve paralisações de trens. Após abordagem policial, o clima ficou tenso e mais de 50 pessoas foram detidas e encaminhadas a Delegacia de Polícia. De acordo com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a abordagem dos policiais foi violenta, com utilização de bombas de gás lacrimogêneo contra os grevistas. Soldados a cavalo fizeram perseguições e um caminhão da BM atirou jatos de água em manifestantes, que caminhavam pacificamente na Avenida Bento Gonçalves, em Porto Alegre.
A secretária de Formação da CUT-RS, Maria Helena de Oliveira, que participou de um piquete na garagem da Sudeste, na capital gaúcha, relatou ter sido atingida. “Eles bateram de forma covarde e truculenta, sem abrir qualquer espaço para dialogar com os rodoviários para que eles pudessem decidir sobre participar ou não da greve geral e defender o direito de se aposentar”, disse.
Manifestações pelo Brasil
Diversas cidades brasileiras registram manifestações por mais recursos para a educação e contra as mudanças nas regras de aposentadoria. Em todo o país, a paralisação afetou, principalmente, o sistema de transporte público das cidades.
Em São Paulo, o Metrô ficou parcialmente paralisado devido à adesão dos trabalhadores à greve contra a reforma da Previdência. A cidade também enfrentou manifestações em diversos pontos. Parte dos trabalhadores do sistema bancário também aderiu à paralisação. Com isso, agências em diversas partes da cidade amanheceram fechadas. O Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, afirmou que a greve também atingiu centros administrativos do Banco do Brasil, Santander, Bradesco, Caixa Econômica e Itaú.
No Rio de Janeiro, duas rodovias foram ocupadas por manifestantes na capital fluminense. O principal protesto foi realizado pela manhã, na BR-101, na altura do município de Campos. A rodovia ficou totalmente fechada por quase três horas: das 5h às 7h46. A BR-040, que liga a capital à região serrana) ficou parcialmente fechada, na altura do km 113, próximo à Refinaria Duque de Caxias (Reduc), em Duque de Caxias.
Na capital, manifestantes fecharam parcialmente a Avenida Brasil, na altura do Caju, próximo ao centro. A polícia usou bombas de efeito moral para dispersar a multidão. O trânsito foi liberado pouco antes das 8h, causando engarrafamento com reflexos na zona norte e em Niterói. O trajeto pela ponte Rio-Niterói, que normalmente é feito em 20 minutos, chegou a mais de uma hora, no sentido Rio de Janeiro. Foram registrados protestos também em Niterói.
Em Curitiba, manifestantes bloquearam totalmente os dois sentidos do Contorno Sul de Curitiba, das 7h às 9h. Outro bloqueio ocorreu na BR-476, em Araucária, nas imediações da Petrobras. Os manifestantes interromperam o trânsito na rodovia por cerca de uma hora.
Bolsonaro comenta greve
Durante um café da manhã com jornalistas, o presidente Jair Bolsonaro foi questionado sobre a greve. O presidente disse ver o movimento como algo natural. "[Vejo] com muita naturalidade. Quando resolvi me candidatar, sabia que ia passar por isso", disse.
Sobre reforma da Previdência, alvo das paralisações, Bolsonaro voltou a defender a importância das mudanças nas regras da aposentadoria, sem as quais os empresários não terão "segurança para investir".