Um ginásio na memória dos passo-fundenses

Construído para o centenário de Passo Fundo, o pavilhão, que mais tarde se tornou ginásio municipal Maggi de Césaro, foi demolido esta semana. Espaço será utilizado para estacionamento

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Na abertura de uma das páginas na edição de 18 de junho, de 1957, o jornal O Nacional destacava a manchete “Em andamento os pavilhões do “CENTENÁRIO”. Assim mesmo, entre aspas e com a palavra toda escrita em letra maiúscula para realçar a dimensão da importância da data que se aproximava.

 

Passo Fundo estava prestes a completar 100 anos de emancipação e não tinha uma estrutura adequada para receber a comunidade e os convidados para a grande festa. Se não havia tal espaço, era preciso construí-lo. Foi o que tratou de fazer o então prefeito Wolmar Antônio Salton. Nos fundos da prefeitura foram erguidos quatro pavilhões, cada um destinado a um setor: Agroindustrial, Trigo, Cultural e Festas.


Por eles passaram milhares de pessoas durante as comemorações do centenário e também em outros eventos importantes da cidade. Ali aconteceram as duas primeiras edições da Exposição, Feira Regional da Indústria, Comércio e Agropecuária (EFRICA), nos anos de 66 e 68.


Esta semana, o operador de uma retroescavadeira precisou apenas de alguns dias de trabalho para transformar em um amontoado de escombros, a estrutura de um destes pavilhões, que passou a ser chamado pelos passo-fundenses de ‘Ginásio do Maggi’. Uma espécie de apelido do oficial Ginásio Municipal Maggi de Césaro. A escolha do nome é uma homenagem ao comerciante, filho de João de Césaro, proprietário de empresa especializada no comércio e na construção civil, fundador da Cerâmica São João.


Sem receber os reparos necessários para amenizar a ação do tempo, os problemas foram se agravando. Além dos danos na rede elétrica e hidráulica, as vigas de sustentação das arquibancadas e do telhado estavam cedendo, apresentando riscos de desabamento. Desde 2010 vinha sendo utilizado apenas com a finalidade de depósito. No entanto, por medidas de segurança, o Corpo de Bombeiros decidiu, em 2016, pela interdição completa.


Ao avaliar os custos de recuperação, a partir de um levantamento realizado pela Secretaria de Planejamento, o executivo decidiu pela demolição. A empresa vencedora da licitação iniciou os trabalhos na semana passada. O prazo de conclusão é de 60 dias. A primeira alternativa será transformar a área em estacionamento.


Por pelo menos duas décadas, o ginásio foi o principal espaço para realização de eventos artísticos, culturais, esportivos e políticos. Um ano antes de virar depósito serviu até mesmo de local para distribuição de senhas para a comunidade que buscava consultas com especialistas do SUS.


Entre dezenas de artistas que se apresentaram no pavilhão da Efrica ou ginásio do Maggi, um deles é guardado com carinho especial na memória de quem esteve presente na noite de 7 de agosto de 1972. Na mesma data em que Passo Fundo completava 157 anos, o maior ídolo da Jovem Guarda realizava seu primeiro show na cidade. O público lotou o espaço para ver de perto Roberto Carlos e a banda RC7.


Funcionário público aposentado, Paulo Dutra estava lá entre centenas de fãs. Acompanhado de colegas do antigo Colégio Comercial, o jovem, de 16 anos, lembra de alguns detalhes do show. “No intervalo das músicas, o público gritava pedindo pela Ternurinha e o Tremendão. Colocaram cadeiras em frente ao palco. Estava completamente lotado”, recorda.


O professor José Ernani Almeida, à época radialista na Rádio Planalto, não só acompanhou o show, como teve a oportunidade de entrevistar Roberto Carlos, no camarim improvisado atrás do palco. “ A direção do Clube Caixeiral foi a responsável pela vinda dele. Após o show no Maggi, ele seguiu para o Caixeiral e fez outro show. Uma noite marcante, ele era o ídolo da juventude naquele momento”, conta.


Na condição de radialista, Ernani diz ter vivido outros momentos inesquecíveis no ginásio. A cada aniversário da Rádio Planalto, a direção realizava um show com artistas da Música Popular Brasileira. O historiador exibe com o orgulho fotografias em que aparece entrevistando ou no palco, apresentando a programação ao lado de nomes como Benito Di Paula, Antônio Marcos e Martinha. “Era ali que aconteciam os grandes shows. Tinha uma qualidade acústica maravilhosa. Foi um marco da cultura em Passo Fundo. A cidade precisa de espaços para a cultura”, completa.


Ao longo dos anos 80, diversas bandas que despontavam no cenário do rock/pop brasileiro, também passaram pelo Maggi, como o caso da Kid Abelha e Camisaa de Vênus. No auge da carreira, Elba Ramalho apresentou os ritmos nordetinos no palco improvisado no ginásio.


Além de nomes famosos da música, o ginásio acolheu diversos projetos para lançar artistas que estavam iniciando a carreira e buscavam espaços para divulgação de seus trabalhos. Um deles foi a 1ª Carreta Canção da Música Nativista do RS, em 1982. A única edição do festival teve a participação de cantores e compositores que, já faziam parte do chamado movimento nativista no Rio Grande do Sul. Entre eles, João de Almeida Neto, João Chagas Leite, Dorotéo Fagundes e Gilberto Monteiro. Diversos músicos locais também tiveram canções classificadas. Uma lista que inclui Os Fronteiriços, liderado por Algacir Costa, pai do violonista Yamandu Costa, João Pantaleão Gonçalves Leite, Clóvis Martinez, Almir Pegoraro, Pedro Neves, entre outros. O público elegeu Estrela e Chão, de João Chagas Leite, como a mais popular. A vencedora do júri oficial foi Pensamentos, interpretada pela carazinhense, Maryse Bender, acompanhada do Grupo Cotovia.


Além da linha nativista, também aconteceram projetos voltados para a Música Popular Brasileira. Em 83, o médico Pedro Ary Veríssimo da Fonseca organizou o Festival da Música Urbana (FEMUR). Na mesma linha surgiu, o Festival da Música Universitária, produzido por Renato Roratto.


Revelação no esporte
Mesmo antes de receber o piso de madeira, a quadra de asfalto do ginásio já era bastante disputada para a prática esportiva, após a instalação do parquet o Maggi virou referência. Professor de educação física aposentado, Renato Justi lembra que todas as competições envolvendo estudantes de Passo Fundo aconteciam no ginásio.Ele conta que nos anos 80, ajudou a organizar diversas competições nas modalidades de basquete, vôlei, handebol e futsal. "Os Jogos Escolares, Jogos da Primavera, campeonato dos bancários, tudo era lá. Não havia outro lugar. Hoje as escolas têm seus próprios ginásios. Passo Fundo vivia o auge destes esportes. O público lotava as arquibancadas para acompanhar as disputas entre os colégios", recorda.


Entre os milhares de atletas que jogaram no Maggi, em mais de cinco décadas, está Gustavo Endres. O passo-fundense, campeão olímpico e mundial, pela Seleção Brasileira de Vôlei, deus seus primeiros passos na carreira atuando pelo colégio Menino Jesus e depois pelo Conceição. "Lembro do Gustavo jogando lá. Se destacava desde muito novo e acabou tendo uma trajetória brilhante", comenta Justi.


Salão de baile e palanque
Por vários anos, no mês de fevereiro, o esporte dava lugar ao samba. A escolha da corte do carnaval transformava a quadra do Maggi num verdadeiro salão de baile. Representantes das escolas lotavam as arquibancadas para torcerem por suas candidatas. "Era o nosso Gran Palazzo da época", brinca Paulo Dutra.


O espaço também serviu de palanque político. Durante a campanha de 1986, o comício de apresentação do candidato Aldo Pinto (PDT), ao governo do estado, teve de ser transferido da Gare para o Maggi em razão da chuva. Na caravana, além de outros políticos, estava o governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola. Apresentador do comício, o jornalista Luiz Carlos Schneider, lembra do ginásio completamente lotado por simpatizantes do líder trabalhista. "Como a transferência foi de última hora, não havia segurança suficiente. Muita gente não conseguiu entrar no ginásio. Foi difícil conter. Antes de passar a palavra para Brizola, o anunciei como o futuro presidente do Brasil. Ele segurou o microfone e respondeu baixinho no meu ouvido. "Deus te ouça".

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