Uma pesquisa conduzida pela IMED, campus de Passo Fundo, irá verificar se o solo passo-fundense está sendo contaminado pela decomposição dos corpos enterrados nos seis cemitérios públicos do município. O estudo que iniciou em março, tem duração de 36 meses e é financiado pelo governo federal através do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e conta com o apoio da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Pioneira no país - apenas a Universidade de São Paulo (USP) desenvolve estudo semelhante -, a investigação é coordenada pelo professor e pesquisador do mestrado em arquitetura e urbanismo da IMED, Alcindo Neckel. Em entrevista ao ON, ele explicou como os trabalhos estão sendo conduzidos:
"Dentro de cada cemitério, estamos coletando material em cinco pontos diferentes. A primeira coleta é feita na região central do cemitério e as demais ocorrem nos quatro cantos; fora do cemitério, as coletas ocorrem num raio de 500 metros" expõe.
Em cada ponto de coleta, os oito alunos da graduação envolvidos na pesquisa, mais um mestrando e um pós-doutorando, sob a orientação de Alcindo, retiram 20 centímetros de terra e armazenam dentro de um saco plástico. Em seguida, são escavados mais 40 centímetros e o material igualmente é embalado. Na sequência, o conteúdo é levado para análise na IMED.
O primeiro cemitério foco da análise foi o Cemitério Municipal da Vera Cruz. Em seguida, será a vez do cemitério do bairro Petrópolis, Jardim da Colina, Roselândia, Videiros e Cemitério Municipal dos Ribeiros.
- Todo cadáver, a cada 70 quilos, libera cerca de 30 litros de líquido durante a sua decomposição. Esse líquido, também chamado de necrochorume, desce para o solo e, com a ajuda da água da chuva, pode chegar até os lençóis freáticos, que funcionam como um reservatório natural da água, que por sua vez, forma rios e lagos e, consequentemente, é usada para abastecer a população - explica o professor, que prossegue:
- O problema é que o necrochorume contem metais pesados e altamente perigosos para a saúde humana. Trata-se de substâncias que podem causar desde dor de cabeça e diarreia até diversos tipos de cânceres, problemas neurológicos e o Mal de Alzheimer. É isso que iremos atestar, ou não, com os resultados que vamos obter a partir da análise dos materiais que estamos coletando - complementa Alcino, que começou a se envolver com a problemática há dez anos, quando orientou um Trabalho de Conclusão de Curso sobre o tema.
Nesse contexto, os primeiros apontamentos da pesquisa devem ser divulgados no início de 2020. Se for confirmada a suspeita de Alcino e seu grupo de estudo, a ideia é fazer com que o poder público possa articular estratégias de despoluição do meio ambiente através da criação de políticas públicas específicas. O estudo terá repercussão nacional e deve servir de base para novas observações.
Licenciamento ambiental nos cemitérios
No Brasil, até dezembro de 2010, conforme explica o professor Alcino, o Conselho Nacional do Meio Ambiente, exigia licenciamento ambiental dos cemitérios. A determinação, no entanto, não teve nenhum efeito prático. O que valida ainda mais o estudo conduzido em Passo Fundo.
- É uma discussão nova no Brasil. E o mais importante é pensar de que maneira iremos lidar com essa questão daqui pra frente. Os cemitérios verticais, que já estão sendo construídos no país, são uma opção viável, porque eles armazenam todo o necrochorume e os gases liberados pelos cadáveres, permitindo que eles sejam dispensados em locais adequados. Por ora, estamos contentes com o interesse do governo federal em promover uma pesquisa sobre este tema - encerra o pesquisador.