Sob o domínio do calendário
Sempre questionei o porquê da diminuição da velocidade no fluxo do trânsito aos domingos e feriados. A maioria está com a cabeça lenta e anda muito devagar. Alguns sequer sinalizam quando vão dobrar, ficam entre as pistas e agem sob o efeito de um contagiante desleixo. Até podem causar acidentes. Como estão de folga não têm a mínima pressa, mas se esquecem de que lá fora a vida segue. Às vezes com pressa. Domingo ou feriado não significa que o mundo parou. São dias normais. Aliás, essa discriminação é cultural. Ora, feriados e domingos são iguais aos outros dias. Têm 24 horas, manhã, tarde e noite. Comemos e dormimos normalmente. E muitas pessoas também trabalham nos domingos e feriados. Então, nunca encontrei uma justificativa para convivermos com essa anormalidade comportamental. Mas é bem assim. Somos controlados pelo calendário.
A inquieta segunda-feira
No início da semana o acelerador é movido pela ansiedade. Compromissos, agenda cheia, contas para pagar (algumas raras para receber), horários para cumprir e outras paranoias cotidianas. Queremos resolver tudo, inclusive àquilo que muito bem poderia ser feito num domingo. Por que não? Ora, por vício comportamental. Na quarta e quinta o pessoal até dá uma moderada. Mas quando chega a sexta-feira parece que o mundo vai acabar e o horário apocalíptico seria o almejado 18h30. Mas não acaba. Então começa outra correria já com a cabeça no final de semana. Supermercado, a carne para o churrasco, colocar a cerveja para gelar, retoques pessoais dos cabelos aos pés e pé no acelerador porque o findi chegou.
O brilho de sábado
O sábado, que antigamente era bem mais light, agora assumiu a condição de um espaço comprimido na agenda. Além do supermercado (esse não falha!), cabeleireiro, costureira e tantos compromissos complacentes, para muitos é o dia ideal de ir às compras. Então o sábado começa corrido e segue em ritmo de ansiedade até o pôr do sol. Aí é noite. E noite é outro departamento. Os compromissos são bem, mas bem mais agradáveis mesmo. Ou alguém já saiu de casa num sábado à noite para pagar uma conta? Claro que não. O sábado é tão importante que até escolhemos roupas diferenciadas. Pede um jantar especial, fora ou em casa. Sábado merece boa companhia. Pode ser na intimidade de ficar com alguém ou numa badalação com amigos. A noite de sábado é um presente do calendário. Tem brilho, perfume e paixão.
O indolente domingo
A manhã de domingo é um resultado lógico da noite de sábado. Alguns até levantam cedo, mas a maioria não desgruda do travesseiro. O almoço dominical é sagrado e reúne a família à mesa. À tarde, depois de uma sesteada, dedicamos àqueles passeios em ritmo indolente. Logo se vai o sol e o domingo fica triste. De volta para casa e, para quem ainda assiste, a televisão reserva as mais deprimentes atrações. A noite de domingo é silenciosa. Uma chatice. O jantar é servido pelo mordomo Lavoisier, que nos oferece uma requintada transformação do nada em tudo. Nesse momento o calendário é uma ameaça. O findi tá terminando e amanhã será segunda-feira. O sorriso vai amarelando. E fica sempre uma sensação de que faltou algo. Então vamos para a cama e sonhamos com um feriadão.
Trilha sonora
Essa dispensa apresentações. Toni Braxton – Spanish Guitar
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