OPINIÃO

Reiteração da tortura

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O presidente da República Jair Bolsonaro expôs característica atrabiliária incompatível com a suprema magistratura do país. Verbalizou ofensa à memória do pai do presidente da Ordem dos Advogados do BrasilFelipe Santa Cruz. Sua ira mirou a memória de Fernando Santa Cruz, desaparecido (morto) no período em que estava sob a guarda do estado na ditadura militar em 1974. O presidente reagiu ao posicionamento da OABque garantiu a inviolabilidade do escritório do advogado defensor do autor do atentado contra Bolsonaro. A Ordem postulou a garantia de prerrogativa legal do profissional. Agiu como instituição. A agressão do mandatário do país foi dirigida à pessoa do presidente, ao arrepio de qualquer nexo causal com a postura da instituição que, por sua vez, cumpria designo de lei na defesa do exercício profissional de um de seus filiados. Com suas declarações, contestando a comissão da verdade, que reconheceu a responsabilidade do estado na morte de Fernando Santa Cruz. E fez isso de forma grosseira atingindo a honorabilidade dos familiares da vítima da ditadura. Sem mencionar qualquer comprovação, o presidente ativou a prepotência para atingir o sentimento assente na história familiar da vítima. Como foi dito, o presidente agiu no sentido de “reiterar a tortura” do desaparecimento.

Descompostura
Os noticiários repercutem a negativa do senso de empatia, que deveria ser virtude de um presidente. Infelizmente despontam entre pretensos barões da mídia, o eufemismo de que o arroubo presidencial faz parte da série de sincericídios, explicados pelas pressões das perguntas dos repórteres. Na verdade, ferir a intimidade familiar histórica da família Santa Cruz é grave disfemia.

Ira e ódio
A pessoa irrita-se pelos mais diferentes motivos. Diz-se que há também a ira benéfica, ou até ira sagrada, dos inconformados com situação de injustiça social. Extrapolar esse sentimento é invadir o direito à intimidade ou dignidade de outrem. No caso do nosso presidente ungido pelo voto popular e revestido da função, supõe-se que tenha razoável qualidade de empatia. Na ausência dessa qualificação podem emergir defeitos graves de irascibilidade e ódio ou rancor. O cuidado com isso é tema antigo, como diziam os romanos “Iratuslegemnomvidet, sedlexvidetiratum” (o irado não vê a lei, mas a lei vê o irado). Porque assim? Pois o presidente da nação deve ser o grande guardião da lei.

Ministro
Gilson Dipp, que foi ministro do STJ, e acompanhou os trabalhos da Comissão da Verdade, que apurou os crimes da ditadura, esclareceu que a formação do grupo de apuração foi fruto de consenso entre instituições e representações nacionais, incluindo-se o assentimento de militares. Assegura que foi um núcleo, além do governo da época, em resgate de estado. Esta ação histórica não pode subordinar-se a mera especulação.

Interpelação
A Ordem dos Advogados do Brasil decidiu peticionar ao Supremo Tribunal Federal a interpelação sobre as declarações do presidente. O pedido é assinado pelos ex-presidentes nacionais e representantes dos conselhos regionais da OAB. Entre os subscritores está o nome do advogado Marcelo Lavenére, que tivemos a honra de entrevistar há anos atrás, um alto conhecedor da ética.

Tom raivoso
Bolsonaro não pode desconhecer a importância e gravidade de suas palavras. Obviamente que sofre as pressões inerentes à função que assumiu num país angustiado. Tem estrutura, que o poder lhe garante, para não praticar desatino. Também sabemos que são muitas as provocações, algumas inapropriadas ou tolas. O ritmo raivoso só inflama o ódio, que pode, sim, ser contido por ambas as partes.

Sabedoria
Sem imaginar recomendações de conduta a presidente, observamos o que diz a filosofia de Aristóteles: “Sábio não é o que fala o que pensa, mas o que pensa o que fale”. Por sua vez, Calígula, contra qualquer firmeza de senso filosófico dizia, simplesmente: “O que se diz, se faz”.

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