OPINIÃO

Que tal menos leis?

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Os vereadores que integram a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal de Belo Horizonte se propuseram a reduzir em 72% o número de leis da cidade. A manifestação desta intenção surpreendeu (e ainda surpreende), pois foi na “contramão” do que costumeiramente é anunciado e praticado nas casas legislativas do Brasil, onde a propositura de novas leis é quase que uma obsessão.

Se a função da lei é gerar segurança jurídica aos cidadãos e às instituições, leis em quantidade invertem este pressuposto. Não é por outro motivo que Manoel Gonçalves Ferreira Filho, um dos constitucionalistas mais estudados do Brasil, em seu livro Do Processo Legislativo, indica que o excesso de leis “deixa a fronteira entre o lícito e o ilícito incerta”. Esta confusão legislativa é nociva e contamina o desenvolvimento econômico, limita oportunidades, inibe iniciativas empreendedoras e reduz o acesso a direitos e garantias fundamentais. No Brasil, esta patologia chega ao ponto de produzir “comercialização” de projeto de lei por escritórios virtuais, via internet, com alto volume de compra por vereadores, deputados e senadores.

Na última eleição para deputação federal, em campanha pela televisão, um dos candidatos fez a seguinte promessa: “se eleito, me comprometo a propor quarenta projetos de lei por ano”. Seriam, então, considerando que o mandato tem quatro anos, 160 projetos de lei... Os deputados estaduais que assumiram a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, já na abertura da sessão legislativa, em fevereiro deste ano, propuseram 80 novos projetos de lei. Esta semana um deputado estadual se licenciou do cargo de secretário, por um dia, para propor 10 projetos de lei na Assembleia, um deles para colocar o revólver calibre 38 como artigo facultativo na “pilcha gaúcha”...

É um grave equívoco “medir” o desempenho de um parlamentar pelo número de projetos de lei que ele propõe, pois esse critério, além de pobre, em termos de suficiência social, não agrega valor às relações individuais, coletivas, trabalhistas e sociais, e é determinante para que a poluição do conjunto de leis em vigor e para insegurança jurídica.

Passo Fundo tem 5.239 leis, além de centenas de decretos e de outros atos reguladores. Esse amontoado de leis dificulta não só a governança local, como inviabiliza o acesso a leis importantes e estruturantes para a produção de conforto social e de qualidade de vida ao cidadão. No estado do Rio Grande do Sul são 10.874. No Brasil, a Casa Civil da Presidência da República estima que se tem hoje em torno de 180 mil leis em vigor. Diante de tantas e tantas leis, como entendê-las? Como mover-se por elas? Como sentir-se seguro diante delas? Como não as temer?

E se soma, agravando ainda mais essa patologia, o fato de não haver qualquer preocupação por parte de Executivos e de Legislativos com a gestão de lei, após a respectiva publicação. As leis são produzidas em quantidades e, depois de editadas, são “largadas”, sem qualquer acompanhamento ou cuidado com a efetividade de seus resultados e com a organização de seus efeitos. Não é “por acaso” que o Judiciário está abarrotado de ações, pois leis confusas geram demandas.

E então, que tal as casas legislativas diminuírem o número de leis em vigor? Que tal um trabalho parlamentar focado na consolidação de leis que já existem, eliminando conteúdos de lei contraditórios, sobrepostos, casuístas, demagógicos e inúteis. Que o exemplo da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal de Belo Horizonte seja seguido por outros parlamentos. A sociedade e o cidadão agradecem!


André Leandro Barbi de Souza
Sócio-diretor do IGAM, advogado com especialização em direito político, sócio do escritório Brack e Barbi Advogados Associados

 

 

 

 

 

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