OPINIÃO

A medida (não) provisória

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A medida provisória é um instrumento criado na Constituição italiana para ser usado em situações extraordinárias de necessidade e de urgência pública, pelo governo, sob sua responsabilidade, com imediato efeito de lei, mediante confirmação pelo parlamento que, para tanto, dispõe de 60 dias. É importante lembrar, no entanto, que o sistema de governo, na Itália, é parlamentarista, daí, então, se o parlamento não aprovar a medida provisória, convertendo-a em lei, cai o gabinete do primeiro ministro... Portanto, lá o uso da medida provisória é de fato exceção.

A Constituição Federal brasileira, elaborada em 1988, importou a medida provisória, porém não levou em consideração a particularidade de aqui o presidencialismo é o sistema de governo. Assim, se um presidente da república utiliza a medida provisória em situações que não são extraordinárias e trata de matérias que não são urgentes, nada lhe acontece.

Como presidente, José Sarney editou 125 medidas provisórias; Fernando Collor, 89; Itamar Franco, 142; Fernando Henrique Cardoso, 365; Luiz Inácio Lula da Silva, 419; Dilma Russeff, 204; e Michel Temer, em seus 18 meses de governo, 83. Em média, de outubro de 1988 até o final de 2018, foi uma nova medida provisória a cada oito dias. Não tem nada de provisório nessas medidas... O detalhe é que a medida provisória, com suas sequelas de importação para o sistema brasileiro, é desprovida de transparência, afasta-se de qualquer debate público e gera efeito de forma imediata, configurando-se como verdadeiro prevalecimento legislativo. Em uma democracia, jamais uma nova lei deve surpreender as pessoas e as instituições, se isso acontece é porque algo está errado.

A medida provisória “brasileira”, além de sua imediata e nociva edição, pelos governos, para atender situações que não são extraordinárias e urgentes, o que por si só já seria suficiente para gerar surpresas desagradáveis, ainda se coloca como alojamento de matérias extravagantes e desconectadas do seu fim, pelo Congresso Nacional, potencializando o dano social de seu resultado.

Esclarecendo: a medida provisória, no Brasil, é editada com força de lei, produzindo imediatos efeitos, cabendo ao Congresso Nacional, em paralelo a sua vigência, recebê-la para exame de viabilidade de sua conversão em lei. É nesse estágio legislativo que os deputados federais e os senadores usam a medida provisória para “embarcar” outros conteúdos, utilizando-a como “esconderijo” para desvio de debates que, se realizados com transparência responsabilidade talvez não alcançassem a respectiva aprovação legislativa.

A Medida Provisória 881, que trata da denominada “liberdade econômica”, é só mais um exemplo desse abuso de poder de legislar. O conteúdo originalmente proposto já seria suficiente para causar inúmeras surpresas na relação entre empreendedor/empresário e governo e empreendedores/empresários entre si, regulando, inclusive, temas de direito civil e trabalhista, o que é inaceitável em sede de medida provisória. E com o acréscimo de novas matérias, no Congresso Nacional, menos ainda se saberá o que dela resultará.

A matéria relacionada à liberdade econômica é constitucional e não se nega que ela precisa de um marco regulador que module o desenvolvimento e o livre mercado e gere facilitação para a atividade empreendera e geração de emprego e renda, mas tratar deste tema pela via de medida provisória, com abusivo acréscimo de conteúdos extravagantes, inclusive com mudanças de regras trabalhistas, pelo Congresso Nacional, além de um brutal prevalecimento legislativo, é sobrepujar o boa vontade do cidadão.


André Leandro Barbi de Souza
Sócio-diretor do IGAM, advogado com especialização em direito político, sócio do escritório Brack e Barbi Advogados Associados

 

 

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