São tempos bicudos, esses que estamos vivendo. Negacionismos e revisionismos exacerbados grassam por todos os lados. O que não faltam são exemplos de pessoas supostamente cultas que professam crenças sem a mínima razoabilidade. Pois, com o devido pedido de licença poética ao Neto Fagundes, reza a lenda que um jovem climatologista, afoito com a descoberta que o clima da Terra estaria mudando e a causa seria a atividade humana, foi se aconselhar com o Nego Véio. Recebido com mate e cara alegre, em meio a baforadas de um crioulo enrolado no capricho, após o ronco do mate, na mansidão silenciosa de um final de tarde, ouviu, com a merecida atenção, essas sábias palavras: - Olha querido, não é nada disso! Esse tal de aquecimento global que tanto falam por ai é o efeito chapa de fogão.
O jovem climatologista arregalou os olhos e aguçou os sentidos. Estava recebendo, gratuitamente, daquele velho sábio, uma metáfora bem ao gosto da comunidade científica, que, além de, possivelmente, garantir uma capa da Nature, iria lhe assegurar reconhecimento entre os pares no ambiente acadêmico. Longos silêncios. Intermináveis baforadas de palheiro. Mais um par de mates e o Nego Véio, como recomenda a boa prosa, em meio a pausas milimetricamente definidas, prosseguiu: - Não, definitivamente não. A causa desse tão falado aquecimento global não é essa tal elevação dos ditos gases de efeito estufa na atmosfera. O furo é mais embaixo, afirmou com ênfase, enquanto dirigia um olhar enigmático para o chão do galpão e aproximava, lentamente, um tição em brasa da velha cambona preta que aquecia água do chimarrão.
O climatologista estancou. Ficou paralisado diante da iminência da grande revelação, que tinha certeza, se aproximava. O gauchão, com o vagar que recomendava a ocasião, levantou a cabeça, fixou o olhar no jovem a sua frente e falou: - Escuta bem, meu guri! Essa Terra está de cheia de pecadores. O que não falta nesse mundo velho é gente atentando contra as Leis de Deus. E todos os dias partem para o outro lado umas 250 milhões de almas penadas. Todo Santo Dia! Dessa tropa, a maioria, o Bom Deus não quer ver lá em cima, que é onde fica o Céu, nem pintada de ouro. Vão direto lá para baixo, para o Inferno. O Diabo está tendo de aumentar o fogo para dar conta do trabalho. Isso até explica um pouco desse desmatamento da Amazônia. A demanda de lenha no Inferno aumentou muito. O chifrudo velho nunca trabalhou tanto. E como você sabe, a Terra é plana. Com esse fogaréu todo lá embaixo, a coisa funciona como um fogão a lenha. O fogo é embaixo, mas a chapa esquenta mesmo é em cima. Entendeu queridão? Não fala mais essa bobagem de efeito estufa. O que temos mesmo é um efeito chapa de fogão.
O climatologista, em estado de graça, abriu um sorriso e percebeu o valor da epifania do Nego Véio. Uma tese bem elaborada e ao gosto de criacionistas, terraplanistas e negacionistas do aquecimento global. Insistir, com esse tipo de pessoa, que a mudança do clima da Terra, causada pela atividade humana, é uma ameaça real, é dar murros em pontas de facas. Não adianta alegar que há mais indicadores da mudança do clima global do que meramente a elevação da concentração atmosférica de gases de efeito estufa pela atividade antrópica (inequivocamente diagnosticada desde os anos 1950). Que, sim, a humanidade pode não ser sensível às mudanças nas médias das variáveis climáticas, que apontam os relatórios científicos do Painel Intergovernamental da Mudança do Clima (IPCC), mas não é imune aos acidentes causados pelos eventos climáticos extremos. E que mudança do clima não é atraso para a agricultura brasileira. Ao contrário, nos confere competitividade e abre espaço para inovação tecnológica e criação de novos negócios, sem precedentes. Querem um exemplo? A indústria de biocombustíveis no Brasil. Sim, o Acordo de Paris é coisa séria. Mas, quem preferir que fique com o efeito chapa de fogão. (P.S.: Inspirado em interpretação do aquecimento global atribuída a uma pastora paraguaia, que circula nas redes sociais. Supostamente uma fake news.)