OPINIÃO

As férias dos Grants

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Ulysses Grant foi o 18º presidente dos Estados Unidos da América. Exerceu, pelo Partido Republicano, dois mandatos consecutivos: de 1869 a 1877. Quando deixou o governo, Ulysses Grant, acompanhado de sua esposa Julia e do filho mais novo (Jesse), visando a escapar de críticas e das denúncias de corrupção que assolavam sua administração, resolveu passar uma temporada na Europa. O pretexto era visitar a filha Nellie que, casada com um britânico, vivia na Inglaterra. Acabaram, querendo ou não, os Grants sendo os protagonistas da mais famosa e talvez da mais longa viagem de férias protagonizada por uma família americana.


Os Grants deixaram a Filadélfia na primavera de 1877, rumo à Europa. No meio de banquetes e recepções que bem realçavam todo o esplendor da era Vitoriana, vivenciaram momentos folclóricos que se tornaram públicos graças ao jornalista Johan Russel Young, acompanhante da viagem da ex-primeira família americana como correspondente do New York Herald. Por exemplo, virou clássica a passagem na qual Ulysses Grant, por ocasião de uma recepção em Veneza, teria declarado que aquela seria uma bela cidade, desde que fossem drenados os seus banhados. Maldade ou não, mas é fato, que os Grants, deslumbrados com a receptividade recebida, acabaram protelando e protelando a sua estada na Europa, até que resolveram, sob os auspícios da Marinha dos Estados Unidos, antes de voltarem para casa, cumprirem um roteiro de viagem ao redor do mundo.


Da Europa, os Grants seguiram para o Egito e subiram o Nilo em direção a Tebas. Passaram pela Palestina e depois voltaram para a Itália, com direito a uma estada na Espanha. Na sequência, navegando pelo Canal de Suez, rumaram para a Índia e se dirigiram para a China, Japão e, por último, cruzaram o Pacífico de volta para casa, desembarcando na Califórnia.


Qualquer diretor desses programas de viagem ficaria maravilhado com essa jornada dos Grants. Os sociólogos e os meteorologistas enxergaram um pouco mais do que a mera superficialidade dos banquetes oferecidos, em terras distantes, aos súditos da Rainha Vitória (ninguém ignora que a Inglaterra era a “toda poderosa” e os Estados Unidos pouca ou coisa nenhuma no século XIX). Pelos relatos jornalísticos da cobertura da viagem dos Grants pelo mundo foi possível depreender os impactos das grandes anomalias climáticas causadas pelo fenômeno El Niño-Oscilação Sul e suas consequências no ordenamento social e econômico, que acabou vigorando no século XX.


O último quartel do século XIX foi marcado pelos impactos de pelo menos três grandes catástrofes climáticas que assolaram o mundo, e acabaram tendo reflexos na economia global. Foram elas: 1876-1879, 1889-1891 e 1896-1902. Índia, Coréia, China e Brasil (Nordeste) sofreram os impactos dessas anomalias climáticas extremas relacionadas com o fenômeno El Niño-Oscilação Sul. Nada surpreendente, não fosse a hipótese de que essas anomalias climáticas extremas do final do século XIX, conforme o livro “Late Victorian Holocausts”, de Mike Davis, publicado em 2001 pela editora Verso, foram responsáveis pelo surgimento do que se convencionou chamar de terceiro mundo (expressão em desuso, dos tempos da Guerra Fria. Algo equivalente aos tais países em desenvolvimento dos dias atuais). A História tende a ignorar, ou tratar com superficialidade, as grandes secas do final do período Vitoriano e suas consequências sociais no século XX (estimativas dão conta que morreram de fome entre 31 e 62 milhões de pessoas, na golden age do capitalismo liberal).


Ulysses Grant, no fim da vida, desafortunadamente, enfrentou problemas financeiros. Lutando contra um câncer na garganta, deixou prontas as suas memórias, pouco antes de morrer em 1885, que, publicadas por Mark Twain, acabariam rendendo cerca de US$ 450 mil em direitos autorais para a viúva. Também há quem considere que Ulysses Grant foi um alcoólatra. Uma grande injustiça. Mesmo que tenha sido um apreciador de uísque quando jovem, a biografia de Grant não foi comprometida pelo vício.

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