Na manhã ensolarada daquele sábado, 1º de abril de 1589, Galileu Galilei (1564-1642), levando na mão direita uma esfera de ferro de 10 libras (4,53kg) e na esquerda outra, também de fero, de uma libra (453 g), percorreu, vagarosamente, os 56 metros e os 294 degraus, até chegar, pelo lado mais baixo, ao topo do campanário da Catedral de Pisa. No alto da famosa torre inclinada, ajeitou, com esmero, as duas esferas sobre a murada. Lá embaixo, aglomeravam-se os vetustos catedráticos da Universidade de Pisa, os estudantes da renomada instituição e alguns curiosos, todos devidamente postados, para assistirem a experiência do jovem professor que ousara desafiar Aristóteles e afrontar a Escolástica. Sorrisos irônicos e certa expectativa grassavam entre os presentes, diante da possiblidade daquele jovem petulante receber uma lição de modéstia da qual se lembraria para o resto de sua vida. De repente, fez-se silêncio. Galileu, no alto da torre, formulou mais uma vez a questão e, após alguns segundos, soltou as duas esferas juntas. Elas caíram juntas e, para surpresa geral, juntas atingiram o solo.
Era o tiro de misericórdia em Aristóteles e na afirmação, feita cerca de dois mil anos antes, que, se dois pesos diferentes, da mesma matéria, caíssem da mesma altura, o mais pesado atingiria a Terra antes do mais leve, na proporção dos respetivos pesos. Galileu insistia que, exceto por uma diferença insignificante, devido à desproporção da resistência do ar, os pesos cairiam no mesmo tempo. Depois, Galileu desprezando a resistência do ar, teria anunciado que todos os corpos caem no mesmo tempo na mesma altura. Enfim, os aristotélicos, que ridicularizavam essa ideia, ficaram atônitos com o que acabaram de presenciar. Galileu, definitivamente, mandava Aristóteles e os manuais da Escolástica para as prateleiras empoeiradas das bibliotecas.
Gostou da história que foi contada nos dois parágrafos anteriores? Talvez, até tenha lembranças de já ter lido sobre isso em outro lugar. Vou pedir licença para lhe dizer que esqueça essa história. Tudo que foi escrito é ficção. E não apenas o primeiro parágrafo, que falsei a data e a descrição da cena, mas, repito, tudo! Essa famosa experiência de Galileu Galilei na torre inclinada de Pisa é uma lenda, que vem sendo reprisada nos manuais escolares desde o século XVII, com mais ou menos detalhes, dependendo do verniz da pena de quem a descreve. E quem afirma isso não sou eu, mas o historiador Alexandre Koyré, renomado pelos seus estudos de história do pensamento científico. Então, resta-nos entender os argumentos de Koyré para ter chegado a essa conclusão.
Alexandre Koyré, após exaustiva busca, concluiu que a origem dessa fake news do século XVII foi a obra de Vicenzo Viviani, Racconto istorico della vita di Galilei, publicada em 1654. Esse livro, datado de uns 60 anos depois do suposto acontecimento, traz um relato fantasioso da experiência feita por Galileu Galilei no campanário de Pisa. Não há nada sobre isso que tenha sido deixado escrito pro Galileu e nem por qualquer outro contemporâneo. Não há registro de que alguém tenha presenciado essa fantástica experiência. Os que vieram depois de Viviani limitaram-se a repetir o suado enredo, dando ênfase ao ataque ao aristotelismo, à experiência pública no alto da torre inclinada, ao sucesso da experiência pela queda simultânea dos dois corpos, à consternação dos adversários, etc., com mais ou menos ênfase, conforme a capacidade de produzir ficção de cada autor.
Galileu Galilei não fez essa experiência, segundo Alexandre Koyré, porque não havia necessidade de fazê-la. E, para a sorte de Galileu, ainda bem que não fez, pois se tivesse feito, nos moldes relatados pelos historiadores, os resultados o teriam deixado desacreditado. Galileu não fez essa experiência e nem mesmo a imaginou porque não era um empirista experimentador. Ele, efetivamente, sabia que a afirmação de que todos os corpos caiam com uma velocidade igual somente é verdadeira para o caso abstrato do movimento no vácuo.