Encontrar empresas, dentro da grande indústria, efetivamente preocupadas com os rastros que suas produções deixam no planeta e na saúde humana é uma tarefa árdua. Grande parte delas apresenta poucas ações para frear, por exemplo, o uso de recursos naturais em uma escala maior do que a capacidade de renovação da Terra. Neste cenário, buscando alternativas para não mais contribuir com um sistema que tem práticas irresponsáveis tão arraigadas no seu modo de funcionamento, consciências têm despertado para a importância de repensar os impactos deixados, também, pelo consumo – e não somente pela produção. Chamado de “consumo consciente”, o movimento é voltado à sustentabilidade e chama atenção para a necessidade de a população conhecer a origem de tudo aquilo que consome. Consequentemente, incentiva a preferência à aquisição de produtos fabricados por produtores locais. Em Passo Fundo, essa filosofia ainda é difundida a passos lentos, mas já encontra abrigo em algumas iniciativas fomentadas por coletivos independentes. Uma delas, que acontece pela sétima vez neste domingo (8), é a Feira Vegana de Passo Fundo.
Descrita como um espaço de conscientização e consumo consciente, cujo objetivo principal é divulgar os propósitos do veganismo, a Feira Vegana reúne periodicamente dezenas de expositores locais preocupados com práticas sustentáveis, que apresentam ao público produtos ecológicos, artesanais, orgânicos e fabricados sem qualquer ingrediente de origem animal. Assim, o evento tem se tornado um abrigo tanto para quem fabrica produtos visando uma indústria mais consciente de suas ações, quanto para quem tem lutado a fim de mudar seus hábitos de consumo. E opções não faltam. Durante as edições, as mesinhas montadas com cuidado por cada um dos expositores exibem desde doces e salgados, até pastas de dente naturais, absorventes ecológicos, óleos essenciais, artesanatos, higiene e cosméticos.
Conforme explica a organizadora da feira, Claiti Cortes, embora não sejam conceitos necessariamente interlaçados, o consumo consciente e o veganismo são ideias que, muitas vezes, acabam casando naturalmente. “Elas têm tudo a ver. O veganismo está ligado ao bem-estar do planeta como um todo e quando escolhemos comprar algum produto estamos exercendo nosso poder de votar com nosso dinheiro. Votamos na marca que queremos que cresça, estamos dizendo que escolhemos aquele produto e não os tantos outros semelhantes”. Em consonância, a mineira Lorena Mesquita, que coordena sozinha a empresa Pinga-Fogo e encontra na feira um espaço condizente com a sua visão de mundo, complementa: “Para mim, consumo consciente é pesar as consequências do que se compra, tanto pro nosso próprio corpo, quanto pro Planeta. Também é pensar que tipo de conduta eu posso incentivar com meu poder de consumo. No sistema capitalista em que vivemos, a indústria tem nos envenenado e esgotado nossos recursos naturais, e não podemos esquecer que é com nosso poder de consumo que ela se mantém. Portanto, é imprescindível fazer escolhas bem pensadas”.
É partindo dessa consciência pessoal que, desde o começo do ano, Lorena oferece aos consumidores da região, através da Pinga-Fogo, produtos veganos e vegetarianos, não industrializados, sem espessantes, conservantes e aditivos alimentares, como conservas de pimenta na cachaça, papá para bebês fabricadas de maneira personalizadas, fermentação vegetal, pães de queijo que carregam as raízes mineiras, biscoitos integrais para pets e, até mesmo, pastas de dentes naturais e sem flúor. Tudo isso feito dando preferência a insumos locais, sem ingredientes ultraprocessados e comercializados em embalagens reutilizáveis ou recicláveis. Além disso, todos os resíduos orgânicos gerados na produção são compostados.
O mesmo acontece no Pé de Fruta, empresa que vende somente alimentos veganos e sob encomenda. Nas palavras das empresárias Juliana Martini Jarabiza e Tamara Andrade, a empresa surgiu da vontade mútua de levar às pessoas uma alimentação mais consciente, saudável, cheia de sabor e livre de ingredientes de origem animal. “Fazemos pães, cucas, bolos, queijos vegetais, kombuchas, pastas salgadas, doce de leite de castanha de caju, alfajor, tortinhas, pastéis assados, pão de beijo, entre outros. Tudo semi-integral ou integral, com farinha orgânica de produtores locais e sem açúcar refinado”, descrevem. Sendo, elas próprias, veganas, as duas contam que na hora de criar uma nova receita pensam em produtos que gostariam de consumir, mas que não encontram por aqui sem ingrediente de origem animal, ou então encontram de forma muito processada. “Então procuramos fazer os alimentos na sua forma mais natural e saudável. Priorizamos por ingredientes in natura, frescos, orgânicos e de produtores locais ou então ingredientes cultivados na nossa horta. Para as embalagens, optamos por papel e vidro sempre que possível e procuramos incentivar as pessoas a usarem sacolas ecológicas para reduzir ao máximo o uso das sacolas plásticas. Consumo consciente é isso. É pensar no processo como um todo. Considerar desde os recursos necessários para a fabricação de determinado produto, qual o destino e quais os impactos que ele gera tanto no meio ambiente quanto na nossa saúde”, defende Juliana.
Veganismo para além da alimentação
Embora uma das principais bandeiras do veganismo seja a alimentação, uma vez que esse estilo de vida exclui da dieta todos os derivados de origem animal, o movimento vai bem além. De olho no bem-estar animal, veganos abdicam também da utilização de produtos como couro, cosméticos testados em animais e entretenimentos que de alguma forma exploram essas espécies. “Quando a feira surgiu, em 2017, eu já tinha um desejo antigo de poder divulgar um pouco mais sobre o veganismo, sobre como ele vai além da alimentação. É um estilo de vida que se preocupa com o bem-estar dos animais, das pessoas e do planeta como um todo. Por englobar todos os aspectos da vida, na Feira, não temos somente alimentação. Temos, por exemplo, um brechó – onde as peças não podem ter couro, seda ou lã. A mesma coisa nos colares. Na aromaterapia, os compostos devem ser todos vegetais, sem gorduras animais ou testes”, explica Claiti.
A artesã Aline Galvão, por exemplo, aplica os propósitos do veganismo e da sustentabilidade nos itens de tecido que fabrica. As peças incluem bolsas, eco bags, colchas em patchwork e até uma linha voltada para a saúde feminina, com absorventes ecológicos e protetores de seio para amamentação. Tudo isso excluindo o uso de couro e seda e priorizando a utilização de tecidos feitos a partir de algodão, por ser um material que se decompõe mais rápido que um tecido com fios sintéticos. Sobre seus absorventes ecológicos, que costumam chamar a atenção dos consumidores por serem itens pouco encontrados em Passo Fundo, Aline explica que eles também são confeccionados em tecido 100% algodão. “Além de não produzir lixo - uma mulher pode usar até quinze mil absorventes descartáveis em uma vida fértil - são mais saudáveis por não conter componentes químicos que fazem mal a nossa saúde, além de não causar alergias podem mudar nosso fluxo e até cólicas menstruais”.
A empresária Adriana Vieira, carinhosamente conhecida como Fada Drica, também foge do setor gastronômico, mas carrega com carinho o selo vegano. Ela leva à feira o ensino e a produção de alquimias e bálsamos com óleos vegetais, essenciais e hidrolatos com foco no aspecto terapêutico desses produtos, através da empresa Serás Natureza. “Desde que eu resolvi cuidar do outro, assim como eu cuido da minha família, eu passo pelo processo de intuição, escuto a voz do meu coração e me conecto a natureza pra receber as respostas necessárias. Tudo que eu produzo passa primeiro pelo teste de qualidade de uso em mim, na minha filha e só depois vai à venda. Todos os produtos são veganos, pois meus insumos são todos de origem vegetal, e sem teste em animais. Fora isso, eu trabalho com empresas que tem selos de qualidade ecológicos. Tento comprar tudo o mais próximo possível, para evitar a pegada de carbono, e minhas embalagens são retornáveis”.
Assim como tantas outras expositoras, Drica fala com esperança sobre os movimentos que têm surgido em Passo Fundo, dando espaço para o fortalecimento da econômica local e a valorização do pequeno produtor. “Quando você compra do pequeno você está ajudando uma mãe de família a complementar sua renda familiar, como no meu caso. Eu sou entusiasta desses movimentos porque a mudança só vai ocorrer quando realmente começarmos a trazer para a prática. As feiras são espaços públicos onde podemos ter acesso fácil a informações de qualidade sobre o tema. Os expositores dessas feiras tem no diálogo a forma de conectar as pessoas a essa ideologia. Eu creio que se nós somos o problema, nós também somos a solução. A mudança de paradigma está justamente aí. Integrar essa dualidade do ser humano, trazendo todos para essa consciência ambiental. Nossas escolhas podem salvar o mundo”.
Consumo e informação
Além das vendas de produtos, a 7ª edição da Feira Vegana de Passo Fundo contará também com palestras sobre veganismo, agroecologia e yoga. “A ideia é que o público não vá ao evento apenas para consumir, mas que vá passar uma tarde agradável, conhecer novos movimentos e pessoas e saia de lá mais informado e ciente de que suas escolhas fazem a diferença”, explica a organizadora Claiti Cortes. O evento acontece neste domingo (8), a partir das 14h, no Espaço Nova Consciência (Rua Lava Pés, 2315, Boqueirão). “A Feira Vegana é um projeto itinerante. Nesta edição, pela primeira vez, acontece no Espaço Nova Consciência, mas a ideia é que ocorra em espaços variados. Em edições passadas, já aconteceu no Espaço Andorinhas e no Gaya”.
Ao todo, 14 expositores participarão da iniciativa. Cinco deles, no setor alimentício: Páprica – Alimentação vegetariana, Pé de fruta, Pinga-Fogo, Nina Canabarro e Rafa Buffon. Outros cinco de cosméticos, óleos essenciais e aromaterapias: Cativa Natureza, Floresce Alquimias, Flor de Oliva, Serás Natureza e Mirke Maliuk. Haverá ainda venda de chopp, com a equipe do Tirador Chopp Boutique, os cogumelos da Agrobom Cogumelos, as roupas Brechó Rara, os artesanatos da Aline Galvão, e colares alternativos de Alexandre Giusti e Panóplia.