Foi nos recentes e acalorados (e, nesse caso, acalorados não é uma mera figura de linguagem) debates sobre as queimadas na Amazônia, que, nas falas/postagens do presidente da França, Emmanuel Macron, e de celebridades, como Leonardo DiCaprio, Cristiano Ronaldo e Madonna, o mito do “pulmão do mundo” ressurgiu das cinzas (e cinzas, aqui, também não é figura de linguagem). Eis um mito que, apesar de, no passado, ter sido muito usado em defesa da preservação da Amazônia, há tempo foi abandonado, especialmente, por não condizer com a realidade.
O argumento da floresta amazônica como o “pulmão do mundo” foi construído com base no processo de fotossíntese, pelo qual os vegetais absorvem gás carbônico e liberam oxigênio. Aparentemente perfeito, desde que se ignore o processo de respiração dos vegetais, pelo qual as plantas liberam gás carbônico e consomem oxigênio. E, no caso da Amazônia, uma floresta em seu clímax, a quantidade de oxigênio que é produzida praticamente se equivale àquela que é consumida. Ou seja, o argumento do “pulmão do mundo” não tem sustentação e é usado, raramente, apenas por pessoas mal informadas ou, deliberadamente, como figura de linguagem quando a intenção é realçar o discurso em defesa da preservação ambiental. Se há algo que mereceria o epiteto de “pulmão do mundo”, como fonte de produção de oxigênio, esse seria o fitoplâncton, formado por organismos microscópicos dotados de capacidade fotossintética que habitam a camada superficial dos oceanos.
Há muitas outras razões para a defesa da Amazônia. Desde a conservação da biodiversidade até as possíveis implicações que o desmatamento pode trazer ao clima global, passando pelo potencial de exploração econômica das suas riquezas, que pode ser muito maior do que a mera extração de madeira e conversão, fora dos limites legais, do uso das terras para agricultura. Entre os chamados controles climáticos globais está a circulação geral da atmosfera. E a Amazônia, nesse caso, é uma região importante para o clima mundial, por ser uma área de ascensão de ar úmido, cujo deslocamento, via a célula de circulação de Hadley, que, além de condicionar o regime de chuvas, também transporta calor para regiões fora dos trópicos, como é o caso do sul do Brasil, onde há déficit de energia.
O que poderia representar o desmatamento total da Amazônia no clima mundial e, em especial, no sul do Brasil? Ainda que essa resposta não possa ser dada com certeza absoluta (algo que não existe em ciência), especula-se, com base em hipóteses plausíveis, o que poderia acontecer. Vejamos: a maioria dos desertos no mundo situa-se ao redor das latitudes de 30º Norte e Sul (o paralelo que passa por Porto Alegre é 30º S). Mas esse não é o nosso caso. Por que isso acontece aqui, se nas regiões onde há subsidência (descida de ar seco) do ramo extremo da célula de Hadley, ao redor de 30 º de latitudes N ou S, em geral, chove pouco? Resposta: porque, pelo processo de evapotranspiração (evaporação+transpiração) das árvores, estima-se que a floresta amazônica coloque na atmosfera, na forma de vapor, cerca de 20 bilhões de toneladas de água por dia (o Rio Amazonas desagua cerca de 17 bilhões de toneladas de água por dia no Oceano Atlântico). Por isso a analogia dos Rios Voadores, criada pelo pesquisador Antonio Donato Nobre do MCT (INPA e INPE), com nascentes na Amazônia. É esse vapor de água, que, na faixa equatorial, ao ser transformado de liquido para vapor, consumiu energia, e, uma vez transportado, pela célula de Hadley, após chegar, pela alta atmosfera, até as nossas latitudes, pela condensação, passa de vapor para líquido, liberando energia e formando nuvens, se precipitará como chuva, regulando os nossos regimes térmico e hídrico.
Quanto a substituição da floresta por pastagens ou lavouras de soja, por exemplo, poderia afetar esse serviço ambiental prestado “gratuitamente” pela Amazônia? Sinceramente, no nosso caso, não sei se valeria correr o risco, como defendem os negacionistas da mudança do clima, e pagar para ver o que pode acontecer.