Em um texto do século XVIII denominado de O Espírito das Leis, de autoria do pensador iluminista e filósofo francês Montesquieu, são apresentados conceitos clássicos sobre forma de governo e exercício de autoridade política. Uma importante observação feita nesse texto é a de que “as leis inúteis debilitam as leis necessárias”. Seguindo mais adiante no tempo, Winston Churchill, orador, político, primeiro-ministro britânico durante a Segunda Guerra Mundial, afirmava, em seus discursos: “se você tem 10 mil regras, destrói todo o respeito pela lei”.
Fazendo um recuo maior, em Ética à Nicômaco, Aristóteles, lá por volta de 350 anos a.C, explicava que a lei deve ter uma função educativa e não somente de proibição e vigilância. A lei, dizia o filósofo grego, deve emanar de uma certa prudência e de uma certa inteligência. As leis, então, devem ditar boas ações, para que nós tenhamos comportamentos virtuosos que nos “habituem” a práticas que se conectem com o bem de todos.
Vejamos o caso da “lei seca”, que nos determina uma escolha entre dirigir nosso veículo ou ingerir bebida alcoólica. Essa legislação é recente, foi aprovada em 2008, chegando até nós com leitura de punição e de vigilância. Em um primeiro momento, a nossa reação é a de resistir e de insistir na combinação das duas práticas, contando que a vigilância não nos alcançará e, portanto, passaremos livre de eventual punição. Mas em um segundo momento, olhando para os nossos filhos e percebendo que, antes de tudo, temos que dar exemplo... Ou ainda vendo fatos, lendo dados, ouvindo notícias que demonstram a nocividade da combinação de álcool com direção de veículo para a nossa vida, para a vida da nossa família e para a vida de outros, decidimos “nos habituar” e fazer o que a lei “manda”, reconhecendo na lei, a expressão de uma virtude social imprescindível para todos que é a de preservar vidas. Retornando a Aristóteles: a virtude é criada por hábitos do bem.
Mas quando temos milhares e milhares de leis, uma sobrepondo-se a outra, com imprecisão de conteúdos, obscuridades e infinitas contradições, fica impossível entender quais boas ações elas nos induzem. A lição do constitucionalista Manuel Gonçalves Ferreira Filho, neste contexto, é precisa quando aponta que diante de tantas e tão confusas leis “a fronteira entre o lícito e o ilícito fica incerta”. Essa confusão de leis não nos permite, como cidadão, saber o que pode e o que não pode ser feito, não nos proporcionando qualquer efeito educativo que nos induza à adoção de bons hábitos.
No Brasil são mais de 200 mil normas em vigor e é esse tumulto de leis que abriga esconderijos de direitos, emperra o desenvolvimento, inibe o empreendorismo, serve de álibi para a corrupção e reduz a eficiência da governança pública. Mas, um alento deve ser registrado: o Ministério da Saúde examinou, este ano, 18 mil portarias, revogando, por perda de objeto e desuso, em torno de 17 mil. Das portarias restantes, foram construídas seis portarias consolidadoras. Assim, o Ministério da Saúde e os usuários do Sistema Único de Saúde (nós, cidadãos), deixam de lidar com 18 mil normas desorganizadas e com conteúdos esparsos e desestruturados para lidar com seis normas organizadas, consolidadas e com conteúdos estruturados por temas.
O exemplo do Ministério da Saúde confirma o que historicamente nos é anunciado, mais do que muitas leis, o amadurecimento da democracia, o fortalecimento das instituições e a estabilidade de direitos fundamentais passa pela edição de poucas e necessárias leis. Então... Menos leis com mais qualidade é menos confusão...
André Leandro Barbi de Souza
Sócio-diretor do IGAM, advogado com especialização em direito político, sócio do escritório Brack e Barbi Advogados Associados