Assim como está escrito no Gênesis 1:3, que o Espírito de Deus, enquanto vagava em uma terra vazia e coberta por trevas, teria dito FIAT LUX e houve luz; foi nos suntuosos salões do Hotel Plaza, em Nova York, que, em meio a uma reunião de cúpula da indústria do tabaco, convocada, naquele ano de 1953, para ver o que podia ser feito contra o resultado, que se supunha devastador, de um artigo cientifico, recém-publicado, que, pela primeira vez, ligava o cigarro como causa de câncer, que John Hill, o mago das relações públicas do mundo corporativo, teria, de forma figurada, evidentemente, proferido o FIAT DUBIUM.
A solução proposta por Hill foi que, em vez de continuar insistindo que fumar era um hábito saudável, a indústria do tabaco deveria criar um fundo para financiar pesquisas com o objetivo de, pela via da dúvida, convencer o público que não havia prova que fumar causava câncer e que os estudos que suportavam essa ideia estavam sendo questionados por numerosos cientistas. E assim, financiando cientistas comprometidos com a causa da indústria do tabaco (um dos mais notórios dessa trupe foi o renomado estatístico inglês Sir Ronald Aylmer Fisher) e pelo patrocínio de campanhas publicitárias milionárias, a dúvida – cigarro e câncer de pulmão – prevaleceu, pelo menos por mais 45 anos, até 1998, quando a indústria de tabaco, finalmente, abandonou essa estratégia de ação e abriu seus gastos e documentos, em meio aos quais foi encontrado um memorado interno, de 1969, da lavra de um executivo do setor fumageiro, que realçava “a dúvida é o nosso produto, uma vez que é a melhor maneira de competir com fatos na mente do público geral”.
E houve a dúvida, não só entre leigos fumantes, mas também nos meios médicos (Mário Rigatto, médico porto-alegrense que se notabilizou na luta contra o tabagismo no Brasil, foi uma ave rara no seu tempo). Mas, se isso hoje faz parte do passado, com relativa facilidade, pode-se perceber que o Fiat Dubium, em relação a muitos outros temas da atualidade, ainda tem vez no nosso meio. O caso mais notório, embora outros exemplos também possam ser dados, é o da mudança do clima global.
Não é difícil encontrar paralelismo entre o interesse e a estratégia de ação adotada pela indústria do tabaco, no caso do hábito de fumar e câncer de pulmão, com o envolvimento da indústria do petróleo e outros congêneres interessados no uso de combustíveis fósseis e as discussões sobre a mudança do clima global e suas causas. A promoção do ceticismo que a mudança do clima global, ora em curso, seja causada pela atividade humana guarda muitas similaridades com o que diz respeito à relação uso de cigarro e câncer de pulmão, que dominou a segunda metade do século passado.
O negacionismo, calcado no Fiat Dubium e tendo como foco a defesa de uma agenda econômica ou ideológica (comumente ambas), tem sido responsável para que resultados científicos, outrora dignos de respeito, sejam publicamente questionados por uma legião de não especialistas, pelo simples fato de discordarem deles. Mas o que leva um leigo a sentir-se motivado para questionar a ciência? Talvez, quando instigado pela dúvida deliberadamente posta na sua mente, sente necessidade disso por achar que a sua crença está em conflito com as conclusões da ciência. O exemplo clássico é o eterno confronto entre os criacionistas e os que defendem a teoria da evolução das espécies; ainda que, frisamos, crenças religiosas são dignas do nosso respeito.
O mais grave, nas discussões sobre mudança do clima, é negar a existência do problema e as suas causas, usando a dúvida criada por livros ou artigos deliberadamente produzidos para essa finalidade ou falas de professores e técnicos que se comportam como pops stars em eventos ou em entrevistas. Soaria hilário, se não fosse trágico, atribuir a falta de consenso ou de resultados científicos para pôr em cheque que a atividade humana é a responsável pela mudança do clima global em curso. Mudança do clima se combate com inovação tecnológica e empreendedorismo, não com negacionimos e muito menos com pregações do atraso.