OPINIÃO

A versão final da Lei de Crime de Abuso de Autoridade

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O tema é tecnicamente denso e socialmente tenso: configuração de hipótese de crime de abuso de autoridade. Em 1965 o legislador brasileiro tratou desta matéria editando a Lei nº 4.898, com o objetivo de regular o direito de representação e o processo de responsabilidade civil e penal, nos casos de abuso de autoridade. Era um outro contexto e a realidade política da época induzia a formulação dos conteúdos lá colocados, que se fixavam em questões como, por exemplo, indicar como abuso de autoridade as hipóteses de restringir liberdade de locomoção, de garantir a livre associação e a inviolabilidade de domicílio.

 

Nesta semana foi finalizado o processo legislativo da nova Lei de Crime de Abuso de Autoridade, com a derrubada de 18 dos 33 vetos apresentados pelo Executivo Federal. Para lembrar, veto é o instrumento disponibilizado pela Constituição Federal, ao chefe do Poder Executivo, para que ele se oponha à matéria aprovada no Legislativo. Essa oposição deve ser motivada por razões técnicas (de inconstitucionalidade) ou por razões políticas (contrariedade ao interesse público).

 

Cabe ao Parlamento, diante da formalização de veto, examinar suas razões e decidir, por maioria absoluta de votos, se o rejeita. Isso pode ocorrer integralmente ou parcialmente. Com a nova Lei de Crime de Abuso de Autoridade alguns vetos foram acatados (15) outros não (18).

 

Tecnicamente a matéria é densa porque, ao contrário do que aconteceu com a legislação de 1965, que posicionou seu conteúdo em questões materiais, como, por exemplo, indicar como abuso de autoridade o ato de impedir o pleno exercício de atividade profissional, a atual lei direciona seu conteúdo para questões processuais, como, por exemplo, ser crime de abuso de autoridade “divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado” ou, outro exemplo, “proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito”. Esses exemplos, no próprio STF, em recentes decisões, receberam encaminhamentos diversos, pois nem mesmo no Supremo este tema é alcançado pelo consenso.

 

O tema “abuso de poder de autoridade” também é socialmente tenso, pois seu debate acontece em um momento crítico, na medida em que os resultados até aqui produzidos pela operação Lava Jato estão chegando no Supremo, onde os procedimentos, as medidas e as ações adotadas, nessa Operação, pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário, em instâncias inferiores, serão ratificados ou serão anulados pelo STF. Por outro lado, mais de 50 deputados federais são réus de processos que derivaram da Lava Jato e mais de 150 parlamentares federais foram (ou estão sendo) investigados. Junta-se, ainda, a este cenário, o ex-juiz Moro, hoje na posição de Ministro da Justiça, oferecendo, por isso, generoso espaço para “devoluções”. Há, ainda, outros componentes de tensionamento que vão desde a disputa de vaidades de membros do STF com o Ministério Público e com a própria Magistratura, até a realização de discursos menos racionais, inclusive do ponto de vista jurídico, e mais emocionais, conduzidos pela aderência incondicionada a um ou a outro lado envolvido.

 

O que recebemos, então, é uma nova Lei de Crime por Abuso de Autoridade, com conceitos imprecisos, com conteúdo tecnicamente questionável, sujeito à declaração de inconstitucionalidade em vários de seus dispositivos, e que, em termos práticos, desloca-se do atendimento do interesse público para alojar interesses de duvidosa importância social.

 

André Leandro Barbi de Souza
Sócio-diretor do IGAM, advogado com especialização em direito político, sócio do escritório Brack e Barbi Advogados Associados

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